No dia 24 de junho de 2017 foi realizada a oficina “Chegadas e Partidas: Construindo Relações Acolhedoras e Reparadoras”. O encontro contou com a participação da psicóloga Beatriz Damato, do Instituto 4 Estações e das técnicas Rosângela de Jesus Reis Oliveira e Luciana Souza da Silva que atuam em um SAICA na cidade de São Paulo.

Beatriz iniciou a apresentação mencionando que o abandono corresponde à privação do vínculo afetivo e uma ruptura com a maternagem, que pode ser tanto parcial quanto total. Compreender tal ruptura é importante para que seja possível situar o luto que a criança ou o adolescente vivem quando são acolhidos. Sempre que existe uma coisa perdida, há a possibilidade de vivenciar um luto. A psicóloga citou dois possíveis tipos de luto: 1) luto real e 2) luto simbólico.

Por que o luto acontece?

Nossas experiências e relacionamentos compõem nosso senso de segurança, que é formado pelo mundo que é conhecido, familiar. Este senso não tem relação direta com aspectos qualitativos e é individual (cada um de nós tem um padrão para se sentir seguro). Ao perdermos esta segurança e aquilo que é nossa referência, vivemos um luto geralmente composto por muitas emoções diferentes, que podem ser ambivalentes, conforme a imagem abaixo:

O que a criança ou adolescente perde ao ser acolhido?

            Muitas vezes, os profissionais querem aliviar e sanar a tristeza que as crianças e adolescentes sentem no momento da chegada, mostrando o que eles estão “ganhando” ao estar lá. Para Beatriz, os profissionais costumam ter dificuldade para lidar com a tristeza da criança ou adolescente e não conseguem conversar e ouvir o que sentem; muitas vezes nem sabem que existe um processo de luto sem morte. Também não é incomum que o próprio acolhido negue esse processo de perda. A questão é que ao não validarmos e reconhecermos este luto inicial, a criança ou adolescente pode acabar se isolando na própria dor. A psicóloga mencionou que nos estudos sobre luto, uma das piores situações para se viver acontece quando uma pessoa não tem seu luto validado. Concretamente, ao ser acolhido, a criança ou adolescente perde a convivência com a família, a casa, os brinquedos, as comidas, os cheiros, barulhos, hábitos, o contato com vizinhos e comunidade, a escola que frequentava, os lugares conhecidos, dentre outros aspectos.

Alguns pontos merecem destaque e atenção nos momentos de chegadas nos serviços de acolhimento:

·       Quanto menor a criança, maior a nossa tendência a minimizar a sofrimento: desde os 6 meses de vida, as crianças reagem aos momentos de luto. Mesmo que cognitivamente não compreendam o que está acontecendo, elas têm a percepção. Neste sentido, é equivocada a ideia de que quanto mais nova a criança, menor o sofrimento.

·       Há uma ideia de que quem tem um pouco de contato com a família acaba sofrendo menos. Isso não é verdade.

·       Perdas simbólicas são minimizadas: muitas vezes há uma banalização da perda vivida pelo fato dos profissionais acreditarem que crianças e adolescentes estavam em uma situação pior antes do acolhimento.

 

É importante considerar que a criança ou adolescente que não se adapta a um novo lugar está em processo de luto; a não adaptação pode ser uma tentativa de reaver o que teve antes. Em um primeiro momento, o novo, na perspectiva da criança ou adolescente, pode não ser visto como algo bom e é importante que os profissionais aprendam a decodificar e entender algumas emoções, como apresentadas na figura abaixo:

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No momento de adaptação em um serviço de acolhimento, também podem haver tentativas de fugas e manifestações de comportamentos agressivos. A psicóloga destacou dois padrões comuns de comportamentos: aqueles que “grudam” nos técnicos e educadores e os que são agressivos. Nos dois casos, crianças e adolescentes estão se sentindo muito inseguros. Ainda há também a criança ou adolescente apático, e é fundamental que seja olhado e que se compreenda que pode também estar sofrendo.

Um dos pontos importantes mencionados por Beatriz diz respeito ao fato de só ser possível cuidar quando há uma relação de afeto com o acolhido, sendo que o profissional precisa estar disponível emocionalmente para essa relação. O educador representa um porto seguro para a criança ou adolescente (ainda que o acolhimento tenha um caráter provisório). A partir da relação de confiança estabelecida com este profissional, o acolhido conseguirá quebrar o ciclo de insegurança e acreditará que é possível confiar nas pessoas. Ele poderá perceber que não será abandonado e que é um ser importante e merecedor de amor.

Para que o educador esteja disponível para se vincular com as crianças e adolescentes, é necessário que ele também se cuide a partir de diferentesestratégias, tais como: participar de capacitações, dividir experiências do trabalho, buscar o autoconhecimento e promover o autocuidado.

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Em seguida, falaram Rosângela de Jesus Reis Oliveira e Luciana Souza da Silva, técnicas de uma SAICA na cidade de São Paulo. Para elas, o momento de chegada é muito importante e a preparação deve ser feita com muito respeito, envolvendo quem está chegando no serviço e as crianças e adolescentes já acolhidos. Um dos pontos enfatizados pela dupla é que às vezes pode ficar uma fantasia para quem já estava na casa de que o novo acolhido pode roubar ou tirar o seu lugar. Neste sentido, é importante envolver os moradores para apresentarem a casa (espaços e rotina) aos que estão chegando. Ambas afirmam a necessidade de se compartilhar com os educadores as histórias dos que chegam,  para que possam se preparar para acolher, cuidando da fala e de cada ação realizada.

Outra questão trazida foi a necessidade de se acolher primordialmente pelo contato afetivo e não pelas regras da casa. Para elas, acolher e compartilhar as regras de convivência (modos de relação) não é o mesmo que simplesmente contar sobre as regras de funcionamento da casa. Essas podem ser passadas aos poucos para quem está chegando. Vale cuidar também para não tomar como verdade e se basear unicamente nos relatórios ou históricos das crianças e adolescentes passados por outros serviços, sendo fundamental  buscar refazer o percurso de cada família para compreender melhor o caso.

Em relação às partidas, Rosângela e Luciana destacaram a importância de construir um desacolhimento cuidadoso e tomar cuidado para não criar estereótipos e preconceitos sobre a família da criança ou adolescente que dificultem esse processo. Para elas, não há partida ideal (seja quando a criança retorna para a família biológica ou acaba sendo adotada), sendo necessário que os envolvidos compreendam que no desacolhimento a criança ou adolescente sai da proteção especial e vai pra proteção básica. As técnicas enfatizaram também a importância de haver uma preparação da própria equipe para o momento da partida, já que por motivos variados, esses são momento que costumam mobilizar muitos todos os profissionais que atuam no SAICA.

Ao longo das falas, as profissionais deram diversos exemplos de situações e casos de crianças e adolescentes acolhidos.

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