O ser humano está em uma busca incessante por sua história. A investigação acerca das origens se faz presente desde a mais tenra idade. De onde eu vim? Como nasci? Quem é a minha família, quem são as pessoas a quem estou ligado? Para onde irei? Com quem me pareço? Qual é a minha história e a história dos meus ascendentes? Todos nós temos uma história. Ela é única e diferente de qualquer outra.  Ela existe antes mesmo do nascimento e é alimentada pelo contexto familiar e social, desejos dos pais, relações com aqueles que cuidam e protegem. Todos nós temos uma origem, pertencemos a algum grupo, fazemos parte de uma cultura. Esses elementos compõem nossa identidade e nos oferecem referências para construir projetos de futuro.

Quando encontramos respostas para a natural investigação sobre nossa origem, adquirimos mais consciência e controle sobre nossas decisões, nos implicamos de forma responsável em relação ao que vivemos e atribuímos mais sentido às nossas escolhas.

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Para crianças e adolescentes que estão em serviços de acolhimento esse processo de busca pelas origens, autoconhecimento e fortalecimento da identidade é ainda mais complexo e desafiador, pois eles deixaram de conviver diariamente com seus familiares, estão longe de suas casas, de seus amigos e vizinhos, passam a frequentar uma escola diferente. Nesse contexto, muitas dúvidas, angústias e incertezas vêm à tona. “Por que estou aqui?”, ”cadê minha família?”, “quando vou voltar para casa?" são perguntas frequentes que precisam ser respondidas com afeto, honestidade e segurança.

Mas seria realmente necessário falar sobre isso? Não seria melhor esquecer? Uma história vivida não se esquece. Querendo ou não, lembrando de forma consciente ou não, essas experiências nos marcam, nos constituem e nos determinam. Por mais difíceis que sejam o passado e o presente de uma criança ou adolescente, aquela é sua história. Não conversar sobre isso, preferir que esqueça ou fazer de conta que esqueceu tem consequências para seu desenvolvimento. Quando não falamos com a criança e o adolescente sobre o que viveu, eles continuam expressando suas angústias e sofrimentos, não por meio de palavras, mas por meio de comportamentos agressivos, da dificuldade em se vincular, do choro, da enurese noturna (o famoso “xixi na cama”), dos mais diversos sintomas. Sabemos que, quanto mais houver espaços para expressão e elaboração dessas histórias, menos reações descontroladas surgirão e mais ferramentas os adultos terão para ajudar as crianças e adolescentes a se fortalecer.

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O respeito à história e o direito à verdade são a base para o trabalho com as crianças e adolescentes que estão nos serviços de acolhimento. Tão ou mais importante do que matriculá-los na escola, no futebol, levá-los ao médico ou para passear, é poder lhes dizer por que estão acolhidos e qual a relação que poderão ter com sua família a partir daquele momento. É se interessar e valorizar suas recordações, saudades e hábitos, propiciando um espaço de acolhimento verdadeiro.

 A metodologia do FMH resgata e fortalece as histórias de vida

Um dos caminhos para ajudar crianças e adolescentes acolhidos a lidarem com esse momento desafiador é o Fazendo Minha História (FMH), cujo objetivo geral é oferecer meios de expressão para que cada criança e adolescente elabore e se aproprie de sua história passada e presente.

  O trabalho se desenvolve a partir do vínculo de confiança com um colaborador, com quem a criança ou adolescente se encontra semanalmente, durante uma hora, pelo tempo que durar o acolhimento. Ter adultos com quem conversar traz alívio, sensação de cuidado e de não estarem sozinhos. A partir da relação com esse adulto de referência e por meio da literatura infanto-juvenil, crianças e adolescentes constroem um álbum com a própria versão sobre suas histórias de vida. Desenhos, colagens, fotos e textos retratam experiências e pessoas significativas com quem convivem ou conviveram. O álbum valoriza suas famílias e origens, registra e preserva informações que os ajudam, hoje e amanhã, a entender o período do acolhimento e a projetar sonhos para o futuro. Quando vão embora do acolhimento, meninos e meninas levam consigo suas memórias e sentimentos nos mais belos registros!