Hoje é de amplo conhecimento que suprir apenas as necessidades fisiológicas do bebê (alimentação, sono, higiene) não é  suficiente para que ele tenha um bom desenvolvimento, pois além das necessidades básicas, é preciso muito afeto e vinculação emocional entre cuidador e bebê para que este possa crescer confiante e com autoestima.  É importante que o bebê - ou criança e adolescente - tenha um cuidador que o faça se sentir seguro e amado, e que também o incentive a ganhar autonomia e explorar o mundo.

Visando auxiliar cuidadores na reflexão do processo de vinculação com crianças, foi desenvolvido o conceito do Círculo de Segurança®. Seus autores Kent Hoffman, Glen Cooper e Bert Powell​ buscaram traduzir suas percepções clínicas e pesquisas de desenvolvimento  em protocolos diretos e acessíveis, para uso com famílias e pacientes adultos. Assim surgiu o Círculo de Segurança: um mapa visual para auxiliar em uma vinculação segura com as crianças. 

Para complementar o esquema, O Círculo da Segurança contribui também atribuindo  as seguintes orientações ao adulto de referência da criança: 

Sempre seja: "maior", mais forte, mais sábio e mais gentil.
*Sempre que possível: atenda as necessidade da criança.
Sempre que necessário: assuma o comando.

*A ideia de ser “maior” e mais forte não deve ser usada para validar que o cuidador ameace a criança, menor e mais fraca. Deve ser usada com a intenção de que ele possa garantir todos os cuidados e a proteção que a criança precisa para que se sinta segura. 

O Círculo da Segurança é composto por dois momentos: 

O movimento de SAIR da Base Segura, isto é: o movimento da criança de deixar a mãe, pai ou cuidador de referência para explorar o mundo, o ambiente.

O movimento de VOLTAR para o Refúgio Seguro, quando a criança precisa de ajuda, acolhimento, "recarregar as energias” e retornar para seu cuidador.  

A criança, tendo essa base segura garantida, pode sair para explorar o mundo, pois tem também a garantia da possibilidade de retorno a ela quando necessário. 

Neste primeiro movimento, em que a criança SAI para explorar, o papel do cuidador é de assisti-la descobrindo o ambiente, de ajudá-la quando for preciso, atento aos seus sinais quando precisar de ajuda, sem que se antecipe frente a criança ante qualquer desafio.

É muito importante que ele possa também desfrutar junto à criança suas descobertas e aventuras!

Com bebês, o movimento de sair para explorar o mundo pode ser engatinhar pela casa, descobrir e explorar móveis e objetos ou mesmo se permitir a ir para o colo de um outro adulto. Com crianças um pouco maiores, este movimento pode ser um simples ir para a escola, passar o dia na casa de uma família de apoio ou de um colega.

 Quando a criança se permite sair para explorar, é importante assegurá-la de seu sucesso e da garantia do seu retorno, pode-se sempre dizer para ela algo como: “Uau! Como você está corajoso! Estou muito orgulhoso e feliz! Você pode ir tranquilo, eu estarei aqui se você precisar de mim”. 

Já no movimento em que a criança VOLTA para o Refúgio Seguro, o papel do cuidador é de acolher e ajudar a criança a organizar e a regular suas emoções. É importante que o cuidador sempre felicite o retorno da criança, mostrando que ela é muito bem-vinda em seu refúgio quando precisar voltar.

Há alguns elementos que podem fazer com que a criança precise voltar para seu Refúgio Seguro, como o estresse, cansaço, medo, susto, solidão, rejeição por seus pares, etc. 

É importante que o cuidador, sempre que possível, nomeie o que a criança está sentindo e não se mostre frustrado ou irritado com sua necessidade de retornar. O adulto pode contribuir com comportamentos que ajudem a criança a “recarregar as energias”, como: brincar com ela, fazer algo que a acalme, cantar uma música que ela gosta, abraçar,  demonstrando amor e carinho.. 

Já sabemos então que o ponto de partida e de chegada para os movimentos de saída e retorno da criança é sempre, portanto, seu cuidador de referência!

O contexto do acolhimento

O círculo de segurança é um esquema que ilustra os movimentos do cuidador e da criança para que se estabeleça um vínculo saudável, afetivo e que permita que essa criança cresça segura de si e de seu ambiente, possibilitando que num futuro estabeleça relações com qualidades similares a  essa.

No contexto do acolhimento, de vínculos que precocemente são rompidos e onde há muita incerteza no ambiente, o círculo de segurança dá direcionamentos importantes para que o cuidador compreenda as necessidades da criança e a ajude a se sentir protegida e amada o suficiente para explorar e retornar para seus cuidados. 

Quando uma criança chega a um abrigo ou família acolhedora, sua primeira necessidade é ter seu refúgio seguro estabelecido, isso é,  ter a presença do cuidador, que irá protegê-la, confortá-la, apreciá-la e organizar os seus sentimentos.

E como isso pode se dar na prática?

Um cuidador de referência pode e deve apresentar a ela a casa, estar disponível para essa criança sempre que ela solicitar, estar por perto o máximo de tempo possível, para que ela saiba que não está sozinha e que estará protegida. Essa presença deve se dar via gestos, colo, olhar e palavras, pois será o cuidador quem proporcionará à criança a base organizadora e reguladora nesse momento tão difícil - seu refúgio seguro.

É preciso, portanto, ter em mente que a criança acolhida precisa de mais presença, proximidade, colo, constância e previsibilidade. Sabe-se que isso é mais desafiador num ambiente institucional, pois há troca de plantões, há a possibilidade do educador de referência sair de férias, tirar licença médica. O círculo de segurança pode ajudar a equipe a pensar cada situação particular, a forma com que cada ausência será comunicada à criança, a partilhar entre os educadores a identificação das necessidades e o lugar que eles estão no círculo em cada momento, por exemplo.

O modelo do círculo pode ajudar nas reuniões de equipe, ilustrando suas impressões e experiências um com outro, de forma que os adultos possam cuidar de cada criança da forma mais contínua e segura possível.

Com a segurança garantida, o refúgio seguro - que pode ser proporcionado pelo vínculo de mais de um educador -, o bebê ou criança poderá seguir para esse segundo momento que é a exploração. Como a imagem do início do texto mostra, a exploração da criança não é algo que ela faz sem o acompanhamento ou olhar do seu cuidador, por isso, mesmo quando o bebê está brincando, dando seus passos, indo para a escola, será o cuidador o principal impulsionador para que ela realize suas conquistas e se deleite com novas descobertas. 

Quando a criança na instituição tem um vínculo seguro e constante com seus cuidadores, ela pode explorar o mundo sabendo que seu retorno é garantido e que as suas figuras de apego estarão lá quando ela precisar, seja por estar sensível, para recarregar energias, para se regular. 

No retorno do círculo, é muito importante que a criança não seja reprimida ou repreendida por apresentar emoções como tristeza ou raiva, pelo contrário, o adulto pode nomear a emoção para ela compreender o que está sentindo e auxiliá-la a se regular emocionalmente. 

O cuidador pode dizer para o bebê ou criança que ela sentiu saudade, que é difícil que ele não esteja lá todos os dias, que ele entende que ela fique triste ou brava por sentir falta da visita da família de origem.

Em suma, o bebê, criança, ou adolescente acolhido tem ainda mais necessidade de vínculos seguros, uma vez que já sofreu alguns rompimentos e o círculo de segurança pode ser uma excelente ferramenta para ajudar os cuidadores a identificarem e refletirem sobre as necessidades que cada criança está vivendo naquele momento, assim como as melhores formas de responder a elas. 

Segue um vídeo explicando os movimentos do círculo

Circle of Security Animation

 

Powell, B., Cooper, G., Hoffman, K., & Marvin, B. (2014). The circle of security intervention: enhancing attachment in early parent-child relationships. New York: Guilford Press. 


Por Giovanna Donno e Vitória Whately 

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Vitoria Whately é psicóloga e psicanalista, colaboradora no projeto de pesquisa EI-3 (Impactos de Intervenções sobre a Institucionalização Precoce).

Giovanna Donno é psicóloga, terapeuta EMDR e Brainspotting, colaboradora no projeto de pesquisa EI-3 (Impactos de Intervenções sobre a Institucionalização Precoce).