Por Melina Bertholdo e Vitoria Whately

Onde estamos?

Além de necessitar de supervisão em tempo integral, bebês e crianças pequenas solicitam constantemente nossa atenção, afeto e proximidade física. Diante dessas demandas intensas, muitos cuidadores recorrem às telas como forma de distrair as crianças e poder dedicar algum tempo a outras funções, ou mesmo para ter alguns minutos de descanso. Recorrer à chupeta eletrônica é uma estratégia compreensível, além de tremendamente eficaz. E, visto que o mundo ao redor é cada vez mais um mundo de telas, esta fica parecendo a saída natural, ou mesmo a entrada na cultura.

São algumas, a essa altura, as gerações criadas na frente da televisão. Essas pessoas acabam com muita tranquilidade dando continuidade ao tipo de criação que receberam, entendendo que "é assim que se faz". E, com as novas tecnologias e crescente cultura digital, as telas têm aparecido cada vez mais cedo e de maneira mais intensa na vida de bebês e crianças pequenas. De berços com tablets no lugar de móbiles a adultos convictos de que estão fazendo o melhor ao introduzir desde cedo seus bebês ao mundo virtual - no qual certamente um dia terão que participar - a cultura contemporânea facilita a introdução precoce às telas.

Quando voltamos nossa atenção para os SAICAS (Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes), onde uma equipe frequentemente reduzida precisa atender às necessidades de crianças e adolescentes de diversas idades, é comum observar a prática estabelecida de deixar os bebês em frente à televisão por períodos prolongados. Muitas vezes, esses bebês são colocados em seus carrinhos voltados para a TV, que pode estar sintonizada em um canal infantil ou em um programa especificamente voltado para bebês.

As telas são vistas não apenas como um auxílio para a equipe, mas como um estímulo positivo para o desenvolvimento infantil. Desta forma, além de uma facilidade, a televisão ocupa o lugar de um cuidador a mais da instituição, que proporciona companhia e estímulo a esses bebês.

Seja em um SAICA, no ambiente doméstico ou num espaço público, o resultado é uma ordem aparente, uma vez que as luzes e sons atraem e mantêm a atenção dos bebês que, retirados do convívio, deixam a sensação de um ambiente calmo e organizado.

Mas afinal, por que ordem aparente? Por que introdução precoce?

Qual o problema?

Desde o advento dos celulares smartphone e uso massivo da internet, apenas uma geração nasceu e cresceu. Ou seja, tivemos pouco tempo para entender os efeitos de um uso que, enquanto falamos, já está se transformando para adquirir novas formas e características. A intensidade crescente do uso de telas parece estar mobilizando esforços de pesquisa sobre exposição precoce mesmo no que tange a tecnologias mais antigas como a televisão (ver fontes bibliográficas ao final). O fato é que já sabemos um tanto e temos informação o suficiente para afirmar que as telas de forma geral podem ser extremamente prejudiciais para bebês e crianças pequenas.

Não à toa, a Organização Mundial da Saúde recomenda que bebês com menos de dois anos de vida não tenham nenhum tempo de exposição às telas. Após esse período inicial, as telas devem ser introduzidas de maneira limitada, progressiva e supervisionada durante toda a infância e adolescência. As demais instituições de saúde, em nível nacional e internacional, seguem na esteira das recomendações da OMS.

Ou seja, voltando aos bebês na frente da TV, é importante destacar que não existe programação verdadeiramente adequada para esta faixa etária.

Em uma pesquisa de 2015 (ver referências ao final) comparando crianças de 15 a 35 meses expostas frequentemente à TV com crianças não expostas ou com baixa exposição, verificou-se risco aumentado de atraso no desenvolvimento cognitivo, motor e da linguagem, proporcional ao tempo de exposição à televisão. Ou seja, quanto mais tempo na frente da TV, maior o risco. Uma outra pesquisa (2012) mostra que a televisão como pano de fundo, ligada no mesmo ambiente em que a criança está mesmo que esta não esteja prestando atenção, afeta negativamente o uso e aquisição da linguagem, a atenção, o desenvolvimento cognitivo e a função executiva - ou seja, a capacidade de processar informações e tomar decisões - em crianças com menos de cinco anos. Além dos impactos cognitivos, há impacto no desenvolvimento social: a exposição precoce reduz a quantidade e qualidade das interações entre pais e filhos - ou adultos cuidadores e crianças - e distrai a criança do brincar.

Uma outra pesquisa de 2022, que comparou grupos de crianças em idade pré-escolar com maior e menor tempo de exposição às telas, apontam diferenças significativas, com prejuízo para o primeiro grupo, no que diz respeito a problemas psicopatológicos, sobrepeso e obesidade, problemas do sono e distúrbios alimentares. A lista de males segue com cada nova pesquisa consultada: prejuízo no desempenho acadêmico, desenvolvimento social e emocional, depressão e ansiedade, prejuízo na capacidade de interpretar emoções, comportamento agressivo, redução na saúde física e no bem-estar geral.

Por que é tão problemático assim?

Como quase tudo na vida, as telas podem ter um uso positivo e um uso negativo. Isso se relaciona à qualidade do conteúdo consumido e também ao tempo de uso. Isso vale para crianças e para adultos também. Costumamos pensar que o cérebro se desenvolve na infância e depois para de se modificar. No entanto, ele segue se modificando ao longo de toda a vida.

Miguel Nicolelis, neurocientista brasileiro, alerta que as telas, particularmente os smartphones, podem alterar a fisiologia (função) e mesmo a morfologia (forma) do cérebro. O cérebro se molda às circunstâncias a que o indivíduo é exposto - é a chamada neuroplasticidade. Essa característica permite a criação bem como a perda de sinapses, em função do uso e desuso das mesmas. Nicolelis é contundente: as pesquisas atuais sugerem, e devem indicar cada vez mais, que os celulares estão moldando o nosso cérebro em prejuízo das funções da memória, criatividade, intuição e mesmo empatia. Isso vale para todos, inclusive adultos. O conceito da parentalidade distraída vem para mostrar que o uso excessivo de celulares incide também indiretamente sobre as crianças: como fica a relação quando os cuidadores estão ali só de corpo presente, imersos no virtual?

Por mais que o uso de telas tenha efeitos para todos, a infância é a época da neuroplasticidade por excelência. É quando o cérebro está, mais do que nunca, apto a adquirir novas vias de conexão e abandonar outras. Nesse período, há o que se chama de uma janela de oportunidade, ou seja, é ali que certas funções muito importantes, como a linguagem, devem se consolidar. A infância, particularmente a primeira infância, é quando se dá não só o desenvolvimento orgânico, cognitivo e motor das crianças, como também se estabelecem suas relações sociais e afetivas.

E é por isso que, no cruzamento entre os efeitos das telas sobre o cérebro humano e o período da vida onde esse mesmo cérebro está em pleno desenvolvimento, o cenário é um pouco mais complicado. E não há escapatória: quanto mais cedo a exposição, pior. E, mais uma vez, não há quantidade adequada de exposição a telas para bebês.

Julieta Jerusalinsky, psicanalista com extenso trabalho de prevenção em saúde mental na primeiríssima infância, fala que, dos 0 aos 3 anos de idade, temos um tempo de apropriação do corpo. O bebê descobrirá sua própria organização corporal, verá que no espelho o que está ali é ele mesmo e se dedicará a explorar as possibilidades de relações com o mundo: alcançar objetos, colocá-los na boca, se virar, engatinhar, andar, sorrir e receber sorrisos de volta, chamar e ser atendido, entrar em diálogos sonoros com seus cuidadores, perceber as sucessivas desregulações pelas quais seu corpo passa e aos poucos se apropriar delas, sejam fome, sono, frio, calor, frustração. Nesse cenário, a tela captura o bebê para fora de si mesmo e das relações com o outro, o corpo e o espaço.

Em alguns casos, vemos que os cuidadores confundem a captura que as telas produzem nos bebês com uma relação de prazer construtiva, dizendo-nos que "eles gostam" da TV ou do celular. Uma comparação pode ser elucidativa. Da mesma forma que alimentos industrializados são palatáveis, fáceis de serem gostados, telas e brinquedos eletrônicos tendem a ser preferidos pelas crianças quando estão disponíveis. Isso não significa que são mais saudáveis. Pelo contrário, os ultraprocessados empobrecem e mesmo "viciam" o paladar, visto que possuem aditivos que intensificam certos sabores naturalmente atraentes para a espécie humana. Os eletrônicos, por sua vez, expõem o cérebro a estímulos constantes, alterando as vias de recompensa do cérebro, empobrecendo as possibilidades de interação com o mundo. O uso de telas e brinquedos eletrônicos que "brincam por si mesmo" antagonizam a exploração e o brincar de qualidade para o bebê e a criança.

As alternativas

Portanto, é crucial promover uma reflexão coletiva e, quando o assunto são os SAICAs, implementar mudanças práticas no nível institucional. A primeira etapa é reavaliar a utilização das telas e conscientizar as equipes sobre seus efeitos no desenvolvimento dos bebês. É necessário realizar um amplo trabalho de formação e sensibilização para estabelecer diretrizes claras sobre o uso de telas dentro dos SAICAS e outras instituições que atendem à infância.

Algumas atitudes simples já podem exercer uma enorme mudança. Ao invés da TV, é possível, por exemplo, deixar os bebês dentro do chiqueirinho ou no chão com brinquedos à disposição. Em um momento em que estejam todos na sala, os bebês podem estar presentes sem necessariamente estarem expostos diretamente à TV. É possível acomodá-los de modo que possam observar as pessoas, deixando-os de costas para a TV. A TV pode também ser utilizada apenas para tocar alguma música para os bebês, enquanto esses estão nos seus carrinhos olhando para um outro ambiente e com objetos interessantes para explorar.

Enfim, o Governo Federal está desenvolvendo o "Guia para Uso Consciente de Telas por Crianças e Adolescentes", que deverá ser lançado até o final de 2024. Este guia tem o potencial de transformar as práticas institucionais e promover um ambiente mais saudável e adequado para o desenvolvimento das crianças e adolescentes.

Lembremos também que muito se fala sobre a importância de oferecer estímulos ao bebê. Mas de qual estímulo de fato se trata? Os estímulos positivos para o desenvolvimento envolvem participação ativa do bebê, ao contrário da relação de passividade, ou de recompensa imediata, que as telas promovem. Estimular o desenvolvimento cognitivo do bebê costuma ser muito mais simples do que as pessoas tendem a pensar. Elementos presentes na maioria das casas são necessários e suficientes, como por exemplo paninhos, colheres de madeira e de forma geral objetos que possam ser segurados pelo bebê e levados à boca. O bebê precisa também de tempo no chão, no qual possa testar seus apoios e descobrir como se relaciona com a gravidade e o que seu corpo pode fazer no espaço. Os objetos oferecidos ao bebê e criança pequena devem, em última instância, abrir caminho para o brincar, atividade central para o desenvolvimento.

Mais do que tudo, na infância, o estímulo mais importante é o social e afetivo. O tempo de qualidade com um adulto cuidador é a base sobre a qual tudo se estabelece. Estar perto de um adulto que se interesse pelo bebê, respeite seu tempo, celebre suas conquistas, compartilhe momentos de alegria, ofereça aconchego e dê apoio à exploração e aprendizagem naturais do bebê será fundamental para seu bom desenvolvimento.

Materiais de referência:

Intoxicações eletrônicas na primeira infância, entrevista com Julieta Jerusalinsky

Entrevista com Miguel Nicolelis, sobre o mundo digital e fisiologia e morfologia do cérebro

Movimento desconecta

Matéria do Hospital Einstein sobre o tema

Entrevista com Julieta Jerusalinsky

Guia para uso consciente de telas do governo federal

Perfil do pediatra Daniel Becker:

Dados brasileiros sobre infância e telas:
https://www.instagram.com/p/C7rgajKMrVg/

Qual a melhor tela quando preciso de um tempo para fazer minhas tarefas? https://www.instagram.com/p/C-TlDQLJS5Y/

4 sugestões para uma infância mais saudável na era digital: https://www.instagram.com/p/C9imYx8pdak/?img_index=1

Pesquisas:

https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25544743/

https://ojs.unifor.br/RBPS/article/view/14054

https://bmcpublichealth.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12889-022-12701-3

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC10353947/

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5823000/

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https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23027166/

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8905397/