No dia 29 de maio de 2024, o Instituto Fazendo História realizou a nona oficina presencial do Projeto Formação Profissional para o Trabalho com Jovens, com o apoio do FUMCAD (Fundo Municipal da Criança e do Adolescente), no Instituto Pólis. Com o tema "Pega a visão: uso de drogas na adolescência", o encontro foi direcionado aos profissionais que atuam nos Serviços de Acolhimento e também a outros atores da Rede Socioassistencial e do Sistema de Garantia de Direitos da Cidade de São Paulo.
A oficina contou com a participação de Larissa de Aragão Pires, terapeuta ocupacional pela USP, pós-graduada em Saúde Mental pela UNIFESP e mestranda em Ensino em Ciências da Saúde da UNIFESP.
Larissa inicia o encontro abordando como o tema das drogas, ou substâncias psicoativas, ainda se apresenta como um tabu em nossa sociedade, ao mesmo tempo que acontece de forma corriqueira no cotidiano das pessoas, atravessando as experiências pessoais de cada uma. Ela expõe um histórico do uso de drogas na humanidade, compreendendo-as como substâncias que agem sobre o cérebro e alteram o estado de percepção e consciência, fazendo parte das mais diversas culturas e tendo diferentes usos e significados. Traz, a partir de um panorama mundial, as grandes questões relacionadas ao uso de drogas, como o tráfico, o aumento da população carcerária e o debate da descriminalização da maconha, temáticas que precisam ser olhadas a partir de um recorte de classe e de raça.
A convidada também apresenta os principais modos de enxergar o uso de drogas hoje na sociedade. Um deles é a abordagem proibicionista, na qual o discurso é centrado na ideia do não uso, evitando-se inclusive falar sobre o tema, associando-o a um problema de segurança pública, a abstinência como único cuidado possível e a uma valorização do saber técnico-científico. A segunda perspectiva é a de redução de danos, a qual parte do princípio que a pessoa tem conhecimento sobre si mesma e que se processa por meio da construção coletiva de saberes, onde o plano terapêutico é desenvolvido em conjunto com o sujeito. Nesta, o foco está nas pessoas e não no uso da substância, fazendo-se necessário compreender cada uma em sua integralidade para encontrar a forma de olhar e lidar com a questão, e prevendo a garantia de direitos básicos e a valorização da diversidade.
Em seguida, Larissa expõe algumas das substâncias mais conhecidas, problematizando o uso de álcool, legalizado, como o principal causador de mortes e enfatizando o K9, usado com muita frequência pelos adolescentes atualmente e ainda com poucos estudos sobre seus impactos. Aponta, não só o álcool e a maconha, mas também o vape, fenômeno social ligado à adolescência, como as principais substâncias utilizadas pelos jovens em situação de acolhimento institucional nos dias de hoje. Indica como cada uma delas tem uma forma específica de agir no sistema nervoso central, variando em seus efeitos frente a cada corpo e a cada contexto, e os perigos no uso misturado de diferentes substâncias.
Ela também aborda quais são os sinais de alerta que demonstram que alguém necessita de primeiros socorros imediatos e quais são os casos que precisam de algum tipo de ajuda - quando entendemos o uso de drogas como uma questão de saúde, e não apenas de segurança pública. Apresenta, então, quais são os serviços referências nesse cuidado e orientação da população, sendo eles: Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPS IJ); Centro de Atenção Psicossocial de álcool e drogas (CAPS AD), para pessoas acima de 18 anos; e a Unidade Básica de Saúde (UBS).
Em uma segunda parte do encontro, Larissa abre para perguntas e reflexões trazidas pelos participantes, debatendo com eles acerca de alternativas em territórios que não têm CAPS, quais são as principais tecnologias disponíveis e que podem ser acessadas, assim como seus impasses e precarizações, quais são as premissas da redução de danos e em que espaços podem ser desenvolvidas, e quais caminhos podem ser pensados, alternativos à política pública da violência hoje em vigor. Ela também cita diversas publicações disponíveis no site do É de lei, organização referência no cuidado e na redução de danos, para ampliar o conhecimento e a discussão sobre as mais diferentes drogas.
No momento final da oficina, cada participante é convidado a registrar uma cena envolvendo o uso de drogas, presente em seu cotidiano de trabalho, que o inquietou, machucou ou desafiou, e depois compartilhar em pequenos grupos. Depois disso, cada grupo escolheu duas dessas cenas para analisar de forma mais aprofundada e apresentar ao grupo maior, com a mediação de Larissa. Dentre os elementos a serem considerados estavam: quem são os sujeitos da cena, o local em que ela se dá, os paradigmas e projetos de mundo observados, os tensionamentos e necessidades evidenciadas, os facilitadores e barreiras presentes e verbos de destaque. Essa foi uma parte muito rica do encontro, proporcionando troca de desafios, angústias e possibilidades, e indicando como, ao falar sobre situações de uso de drogas, mais do que abordar as substâncias e suas especificidades, estamos falando de garantia de direitos, e de como eles vêm sendo violados sistematicamente.
Larissa de Aragão Pires é terapeuta ocupacional pela USP, pós-graduada em Saúde Mental pela UNIFESP e mestranda em Ensino em Ciências da Saúde da UNIFESP. Também atua como redutora de danos infanto-juvenil há 7 anos com pessoas que apresentam sofrimento psíquico decorrente do uso de substâncias psicoativas.
Confira o vídeo com a oficina completa: clique aqui.