Combinei com Maria que chegaria em sua casa as 8 horas da manhã. Toco a campainha uns minutos antes do combinado. Quem me atende é sua irmã mais nova, Carla, de 5 anos, com um prato cheio de frutas na mão. Hora do café da manhã. Me dá um abraço de bom dia e volta correndo para sala, onde deveria estar sentada comendo. Leva uma bronca, deixou cair a comida no chão. Dulce, uma cozinheira de mão cheia limpa o chão junto com ela, e mostra para a menina onde deve colocar o pano sujo. Tomo uma xícara de café enquanto Maria se arruma no quarto. Carla se despede de mim e conta, com entusiasmo, que vai para sua 2ª aula de natação logo menos.
João me vê e passa reto, mau humorado. Não escutou seu despertador e dessa vez perdeu a hora da escola. O combinado era claro, não iriam mais ficar horas e horas tentando acordá-lo, afinal, com quase 18 anos já é hora de se levantar sozinho! A maioria dos adolescentes já saiu de casa e os pequenos estão chegando para o café da manhã.
Depois de uns 10 minutinhos Maria aparece, toda arrumada e com pressa, já quer sair logo para não atrasarmos para nosso compromisso. Encontra um tempinho para me perguntar se eu conheci Pedra, a nova moradora da casa. Grita por ela. Matheus, com uma caixa cheia de carrinho na mão, responde que Pedra não quer levantar da cama. Dulce propõe a Matheus que separe umas frutas e um sanduíche para Pedra, assim já poderia limpar a mesa e começar o preparo do almoço.
Me despeço de Matheus, que vai faltar na psicóloga e no futebol porque passou a noite com febre. Me conta com orgulho que sua febre foi a mais alta de todas. Lembro da minha infância, quando fazíamos competição para ver qual machucado era o maior e, com orgulho, assim como Matheus, também contava de cada febre alta ou da cicatriz ainda aberta.
Maria me apressa, como se fosse eu que estivesse atrasada e, por fim, saímos de casa. Sim. Exatamente isso que quero ressaltar. Foi de uma casa que saímos. Nesses 10 ou 15 minutos em que esperei Maria cruzei com algumas crianças, com um adolescente e senti falta de alguns que já tinham saído. Afinal, em um serviço de acolhimento institucional cada um tem sua rotina. Há os que fazem futebol, os que fazem dança ou música. Há os que têm semanalmente terapia e os que têm a maior dificuldade de levantar para ir à escola. Assim como numa casa, a cozinheira vai ver alguma peraltagem de criança e ensinar a como limpar a sujeira que fizeram. Como toda casa, tem a hora do café da manhã. Mas é possível separar um pratinho de comida para quem ainda não se adaptou as regras de convivência da casa.
Nesses breves 10 ou 15 minutos em que estive por lá me deparei com a rotina de um serviço de acolhimento institucional, que nada mais é do que uma casa que acolhe 20 crianças e adolescentes (ou 10 se for uma casa lar). Que acolhe a singularidade de cada uma delas. De Pedro que acabou de chegar, de Maria que se arrumava ansiosa para nosso encontro, de Matheus que passou a noite com febre, de Carla que sonha em ser nadadora. Se orfanatos não existem mais é porque agora existem casas! E se muito avançamos na construção desses serviços de acolhimento, seguimos na luta para que quem entre em um abrigo cada vez mais tenha a sensação gostosa de estar entrando em uma casa.
Luiza Ferreira, psicóloga e colabora do Fazendo Minha História