O Instituto Fazendo História tem a satisfação de divulgar a pesquisa “Mais autonomia, mais direitos!”, coordenada pela Associação Civil DONCEL (Argentina), como representante da Rede latino-americana de jovens egressos do sistema de proteção. O estudo envolveu Argentina, Brasil, Bolívia, Colômbia, México e Peru, e contou com o apoio da Oficina Regional da UNICEF (América Latina e Caribe) e da Hope and Homes for Children.

Desde 2017, o Instituto Fazendo História participa ativamente da Rede latino-americana de jovens egressos do sistema de proteção. A Rede é formada por diversas organizações da América Latina que trabalham para melhorar a vida de adolescentes e jovens com vivência de acolhimento. 

A pesquisa, realizada em 2019, teve o objetivo de gerar aprendizados e recomendações para o desenvolvimento de políticas públicas de apoio à transição de jovens do acolhimento para a vida autônoma. Através de uma abordagem qualitativa, foram pesquisados, em cada um dos países selecionados, ​​os programas existentes e as ações formais e informais destinadas a acompanhar a transição de adolescentes e jovens.

Além de representantes do poder público de cada país nas esferas nacional, estadual e municipal, foram ouvidos profissionais dos serviços de acolhimento e 100 adolescentes e jovens entre 13 e 27 anos. Destes, a metade estava acolhida no momento da coleta de dados e a outra metade já havia saído do acolhimento.  

A pesquisa aponta, entre seus resultados, que apesar dos avanços históricos na legislação para a proteção integral, a saída do acolhimento por maioridade ainda representa desamparo e violação de direitos, na medida em que jovens se deparam com a escassez de políticas públicas que os protejam nesse momento da vida. 

No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 92, prevê que os serviços de acolhimento preparem o jovem para a vida autônoma de forma gradativa, envolvendo-o com a comunidade local e favorecendo a participação de pessoas da comunidade em seu processo educativo. O  Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, ressalta a importância da manutenção e do fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários durante o acolhimento, garantindo uma saída do serviço com mais facilidade.

No entanto, o Brasil, em sua dimensão continental, ainda apresenta grandes desigualdades quanto ao cumprimento do que está estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e demais normativas para a regulação do acolhimento de crianças e adolescentes. Persistem nos inúmeros municípios do país situações de acolhimento que revelam resíduos da lógica da institucionalização de crianças e adolescentes, marcada pelo controle, ausência de iniciativas que fortaleçam a convivência familiar e comunitária e de construção de autonomia. 

"Eu que fui perguntar pra tia quando ela ia falar comigo sobre a saída"

(Jovem do grupo focal – pré-egresso)

Os jovens que participaram do estudo, nomearam uma série de sentimentos negativos experimentados antes e durante o desligamento, como desespero, solidão, insegurança, medo e desamparo. O desligamento obrigatório pela maioridade torna ainda mais desafiador esse momento e é vivido por muitos como traumático. Por outro lado, os jovens demonstram uma potência e possibilidades para buscar seus direitos, apesar dos enfrentamentos que precisam fazer nesse percurso. 

Junto às experiências de desligamento, predominantemente negativas, os entrevistados refletiram criticamente acerca da preparação para a saída. As reflexões revelam que diversos aspectos precisam ser aprimorados a fim de que o processo do desligamento seja bem sucedido. 

“A tia, até os 17 anos, ia em tudo comigo. Ela marcava a consulta, eu nem sabia... Chegava lá, eu não sabia o que falava e nem nada... hoje em dia eu sei, mas penei...” (19 anos, sexo feminino, egressa)

A partir dos resultados desta pesquisa, foram construídas recomendações para apoiar a transição de jovens em situação de acolhimento:

1. Fortalecer o trabalho com as famílias e de inserção comunitária durante o período do acolhimento.

2. Garantir espaços de participação e escuta no dia a dia da instituição.

3. Capacitar profissionais e apoiar as referências afetivas que lidam cotidianamente com os adolescentes.

4. Possibilitar aos adolescentes práticas cotidianas de exercício da autonomia, tais como: cuidados com a casa; acesso à cozinha para aprendizagem; envolvimento com as compras; uso do dinheiro; responsabilidade com a própria agenda de compromissos e com documentos pessoais.

5. Garantir que jovens que saem dos serviços de acolhimento tenham acesso prioritário a todas as políticas públicas já existentes, nas seguintes áreas: educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência.

6. Prevenir e salvaguardar crianças, adolescentes e suas famílias de situações de discriminação seja por raça, classe, sexualidade ou gênero. 

7.  Criar e implantar políticas públicas de acompanhamento de jovens que saem dos serviços de acolhimento para a vida autônoma, considerando as particularidades das trajetórias individuais, e garantindo que tenham suporte emocional, profissional e financeiro para desenvolver seus projetos. Destaca-se neste âmbito a experiência do Grupo Nós, iniciativa do Instituto Fazendo História, que tem alcançado resultados positivos como programa específico de acompanhamento do processo de desligamento de adolescentes acolhidos. Sugere-se que políticas sejam inspiradas nesta proposta, que não só realiza o acompanhamento individual dos jovens, como proporciona vivências para o conhecimento de si, do mundo e da construção de autonomia, além de garantir o apoio financeiro através de bolsas.

Para ler a pesquisa completa em espanhol, clique AQUI.

Para ler a pesquisa com os resultados do Brasil na íntegra, clique AQUI.

Para ler o resumo da pesquisa com os dados do Brasil, clique AQUI.