No dia 18 de outubro de 2022, o Instituto Fazendo História realizou a oficina online “Serviços de acolhimento e escolas: parcerias possíveis”, que contou com a participação da especialista Simone Santana, artista, educadora social, pedagoga, que atuou em Serviço de Acolhimento Institucional e é militante do Fórum da Criança e do Adolescente de São Mateus.
Simone iniciou com a sua audiodescrição, explicando a razão desse ato. Contou de sua experiência dando aula de teatro, enquanto educadora social em um Centro de Juventude (CJ) no ano de 2015, quando teve dois alunos cegos e se viu desafiada a aprender a fazer esse trabalho com eles, que não enxergavam. Se apresenta como uma mulher preta, de cabelo crespo, com vestido em tons amarelo e laranja e adereços, todos feitos por empreendedoras pretas; estava em sua casa, seu lugar de afeto, construção, acolhimento e recebimento. Em seguida, como forma de aproximar e inspirar para a temática da oficina, ela faz a leitura de um texto parte de um livro produzido pelo Sarau Comungar, do território de São Mateus, estimulando um espaço de comungar de ideias e partilhas e um momento de troca e nutrição.
A especialista aborda, então, sobre sua chegada para trabalhar em um Serviço de Acolhimento, após ser educadora social, quando se dá conta da importância dos diferentes conhecimentos e habilidades e como isso agrega à vida das pessoas: sua capacidade de se comunicar em libras, por exemplo, permitiu que uma pré-adolescente com deficiência auditiva reconhecesse alguém que falasse o seu dialeto. Entrando no tema da oficina, traz como uma grande questão que identifica, a partir de sua trajetória, como as escolas veem os serviços de acolhimento e que essa relação está ainda muito pautada pelo campo do imaginário. Fala como ainda persistem muitos rótulos e estigmas, como a ideia de que os acolhidos não podem sair do serviço e estão lá como forma de castigo, e um desconhecimento sobre a Política de Alta Complexidade da Assistência Social.
Simone apresenta, como parte do trabalho que desenvolveu nesse Serviço de Acolhimento, em parceria com toda a equipe, o caminho percorrido para aproximar a rede, em especial as comunidades escolares, do que de fato é esse serviço e o que as pessoas que lá estão fazem. Para isso, parte de questões como: como está nosso diálogo? Como apresentamos, a nível de território, as redes parceiras entre elas? Que olhar que se tem para a criança e para o adolescente quando identificamos um serviço de proteção e garantia de direitos, por um lado, e outro serviço de educação, também enquanto garantidor de direitos, que não conversam? Narra o percurso de diálogo com diferentes equipes escolares, apresentando o trabalho dos serviços de acolhimento, tão desconhecido na maioria desses espaços, e explicita uma das funções do pedagogo que lá atua: o desenvolvimento de um processo pedagógico de “ensinagem”, de apresentação ao outro de algo tão próximo dele para que, então, se estabeleça a parceria. Acredita que, assim, menores são as chances dessas crianças e adolescentes em situação de acolhimento serem rotuladas e, por conta disso, sofrerem mais uma violência, além das violações que os levaram a serem retirados de suas famílias.
Ao narrar essa experiência de ampliação do diálogo e da parceria com as escolas, Simone reforça os avanços que identificou, principalmente em relação a um lugar potente que a escola pode ocupar no fortalecimento de vínculos das crianças e adolescentes. Ela aborda como a escola pode também estar presente na vida deles, para que se sintam pertencentes e queiram estar lá, desconstruindo imaginários de que ao ser acolhida a criança precisa romper com o seu território. Dentro dessas práticas fundamentais, aparece a necessidade de aproximar a escola de outras políticas de atendimento do território, muitas vezes desconhecidas a ela, as quais devem atuar em rede garantindo direitos.
Simone reforça que, tal como previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), todas as crianças e adolescentes precisam ter seu direito garantido de estar na escola, e com aquelas que frequentam os serviços de acolhimento não pode ser diferente. Ela também atenta para quais são os corpos que têm esse direito negado, em sua maioria de meninas e meninos pretas e pretos, presentes também nos serviços de acolhimento, configurando um grande desafio a ser enfrentado na área da educação.
Ao abordar a questão dos rótulos nas crianças e adolescentes acolhidos, ela apresenta como, frente a uma mesma situação desafiadora na escola, é comum que o maior peso pelo ocorrido recaia neles, que acabam sofrendo violências também nesses espaços. Para que isso seja evitado, precisamos olhar para quem são essas pessoas que chegam ao serviço de acolhimento, qual o seu percurso de vida antes de chegar lá e, também, considerar o contexto da história e da sociedade em que estamos inseridos. Reitera que esse processo não ocorre magicamente, bastando apenas garantir a vaga, e se faz necessário um investimento para que a escola seja atrativa e as crianças e adolescentes queiram estar lá. Precisamos olhar para esse modelo de escola, o que está sendo ofertado, e como vamos construindo e estabelecendo vínculos.
Em relação à evasão escolar, Simone nos convida a olhar de uma maneira mais complexa para suas motivações, que são variadas, e para além do fato de a criança ou adolescente estar em situação de acolhimento. Precisamos compreender quem são essas pessoas e quais as suas trajetórias, e que se elas não se sentem pertencentes àquele espaço e se este não dialoga com elas, dificilmente darão conta de ir sozinhas, o que é atravessado pelo racismo institucional. Simone aborda a importância de repensar as práticas e de conceber a escola como um lugar de afeto, acolhimento e diálogo com a rede, o que inclui a capacitação das equipes e o investimento nas políticas da assistência social e da educação.
A especialista também nos provoca a refletir sobre o papel da equipe do serviço de acolhimento enquanto mediadores e agentes de transformação, que lidam com vidas, precisam se comprometer com a garantia de direitos e não podem aguardar as coisas acontecerem. Precisam compreender seu papel enquanto profissionais combativos, aprimorar constantemente seus conhecimentos e nomear as coisas que acontecem, como as situações de violência. Ela também aborda a relevância do papel da pedagoga e do pedagogo no serviço de acolhimento, que traz uma contribuição específica para o desenvolvimento na infância e na adolescência e para a força da equipe técnica. Ao atuarem pedagogicamente nos serviços de acolhimento, esses profissionais podem usar ferramentas pedagógicas de outros espaços, como saraus, casas de cultura, praças e cursinhos populares, promovendo espaços de troca, de integração com o território e de emancipação.
Na segunda parte da oficina, os participantes dialogaram com Simone, trazendo questões, angústias e reflexões sobre as suas experiências com a temática, associadas, principalmente, à resistência ao retorno e à permanência na escola por parte das crianças e adolescentes, à defasagem escolar e à falta de clareza em relação à atuação do pedagogo no serviço de acolhimento. Simone finaliza a sua fala retomando a importância de nos questionarmos acerca de quais são os corpos que estão nos serviços de acolhimento e como isso impacta a forma que são vistos e tratados, para, a partir daí, promover espaços de educação antirracista.
Para assistir ao vídeo com a oficina completa, clique aqui.