O texto a seguir é uma troca de mensagens do grupo Acolhimento em Rede , grupo de e-mails que reúne profissionais de vários estados do Brasil e das mais diversas formações e funções na rede de proteção à criança e ao adolescente.

“Boa tarde, gostaria de saber se receberam alguma orientação ou resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) dizendo que os adolescentes que estão em programa de apadrinhamento afetivo deveriam ou poderiam permanecer na casa dos padrinhos durante a fase de afastamento social para evitar a propagação do COVID-19". Essa mensagem, enviada pela psicóloga Mônica Galhardo, deu abertura à discussão no grupo acolhimento em rede, sobre o tema "Orientações CNJ".

Juliana Coelho Correia Rodrigues juntou-se ao grupo apresentando a recomendação do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) sobre o questionamento feito, o qual segue abaixo, importante considerar que a recomendação é direcionada para o Estado de São Paulo

“CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA E COORDENADORIA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE 

RECOMENDAÇÃO CONJUNTA

Tendo em vista os Provimentos e Comunicados editados pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que estabelecem medidas para evitar o contágio e disseminação da COVID 19 (http://www.tjsp.jus.br/Coronavirus/Coronavirus/Comunicados),  RECOMENDA-SE às Varas com competência na área da Infância e Juventude, relativamente às crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional:

- Expedir diretamente no SNA  as Guias de acolhimento e desligamento,  encaminhando-as (no formato PDF) ao serviço de acolhimento, por meio do e-mail institucional. Excepcionalmente, no período de 25 de março a 30 de abril de 2020, será dispensada a assinatura do magistrado responsável.

- Nos casos em que a criança ou o adolescente já estiverem em processo de reinserção familiar junto à família natural, extensa ou adotiva, ou, ainda, inseridos em programas de apadrinhamento, deverá ser verificada a possibilidade de ser fornecida autorização do Juízo para que permaneçam junto aos padrinhos e/ou familiares durante o período da quarentena.

- Orientar os serviços de acolhimento quanto à suspensão das visitas externas, bem como dos passeios e contatos pessoais esporádicos.

- Estimular formas alternativas de contato das crianças e dos adolescentes acolhidos com seus familiares e pessoas da comunidade com quem mantêm vínculos de afinidade e afetividade, por meios não físicos (contato telefônico, eletrônico e redes sociais), a fim de se minimizar a sensação de isolamento”.

A psicóloga Mônica, que deu início à troca de e-mails, agradeceu a recomendação,  e informou que reside em Americana, interior de São Paulo. Luziene Ramos, gerente de um serviço de acolhimento, juntou-se a discussão dizendo que “a orientação da Vara é que os contatos sejam não físicos e incentivar os contatos com familiares através dos meios eletrônicos”. 

Juliana Barbosa, coordenadora do Programa Apadrinhamento Afetivo do Instituto Fazendo História, respondeu aos e-mails agregando algumas reflexões. “Que período esse que estamos passando, hein?! Diante desta pandemia e de orientações para isolamento social, quantos desafios vamos enfrentando, em especial dentro dos serviços de acolhimento! É um tempo de grandes adaptações para todos nós, em vários âmbitos de nossas vidas. O apadrinhamento afetivo não fica de fora, né?

Muito importante e pertinente as orientações vindas do TJ. Os padrinhos e madrinhas do Instituto Fazendo História, junto com os serviços parceiros também foram orientados a respeitar o isolamento, evitando o contato físico direto com as crianças e/ou adolescentes, buscando formas alternativas de manterem o contato e o vínculo neste momento, diminuindo a sensação de isolamento, e evitando o distanciamento. Entretanto, olhamos com muita cautela a possibilidade das crianças e adolescentes permanecerem com seus padrinhos/madrinhas durante a quarentena, entendendo que devemos olhar além da autorização judicial”.

  Nesse momento, algumas reflexões podem contribuir para que todos os envolvidos possam decidir juntos a permanência ou não da criança/adolescente na casa dos padrinhos/madrinha durante a quarentena:

·  É um desejo de ambos?

·  Qual o momento desta relação? 

·  Já fazem saídas longas fora do SAICA? 

·  Já tiveram pernoite?

· Essa criança/adolescente já conhece todos os familiares dos padrinhos/madrinhas (que moram na mesma casa)?

·  É possível para os padrinhos/madrinhas serem responsáveis por ele/ela neste momento?

·  Os padrinhos/madrinhas sentem-se seguros para lidar com reações inesperadas (postura desafiadora, silêncio, apatia, agressividade, desrespeito, entre outras) da criança ou adolescente? 

· Pensam que a criança/adolescente estaria à vontade para dizer-lhes que está incomodado, cansado ou não gostou de alguma coisa?

Uma relação de confiança e intimidade não se estabelece do dia para a noite, esse processo acontece de forma paulatina e cada caso deve ser pensado dentro de suas particularidades. O importante é que ambos se sintam seguros para passarem esses momentos juntos, especialmente em um momento de tantas turbulências, que desperta para cada pessoa um jeito diferente de lidar com as tensões, medos, angústias e vulnerabilidades. Pode ser um momento delicado para estar em convívio tão íntimo e longo com alguém, mesmo que se gostem muito. Então, vale a pena fazer alguns questionamentos antes de optar por esse caminho.” 

Juliana finaliza sua contribuição dizendo que o Apadrinhamento Afetivo, programa do Instituto Fazendo História, está à disposição para pensar soluções com todos”. 

Luziene agradeceu a contribuição de Juliana e acrescentou que respeitar o desejo do adolescente é essencial.

Um pouco mais sobre o Apadrinhamento Afetivo

Em 2006, o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária estabeleceu parâmetros para a criação de projetos de apadrinhamento de crianças e adolescentes acolhidos como uma das estratégias do reordenamento dos serviços de acolhimento e afirma que o apadrinhamento afetivo é “um projeto por meio do qual pessoas da comunidade contribuem para o desenvolvimento de crianças e adolescentes em Acolhimento Institucional (...) através do estabelecimento de vínculos afetivos significativos (...), individualizados e duradouros”. 

Os projetos de apadrinhamento afetivo têm como objetivo desenvolver estratégias e ações que possibilitem e estimulem a construção e manutenção de vínculos afetivos individualizados e duradouros entre crianças e/ou adolescentes abrigados e padrinhos/madrinhas voluntários, previamente selecionados e preparados, ampliando, assim, a rede de apoio afetivo, social e comunitário para além do abrigo. Não se trata, portanto, de modalidade de acolhimento. (BRASIL, 2006, p. 130) 

Nesse sentido, o apadrinhamento afetivo se diferencia de adoção e de guarda. A criança e o adolescente apadrinhados permanecem sob a guarda da instituição de acolhimento, e sua equipe continua 18 responsável por todas as tomadas de decisão de seu processo. No apadrinhamento afetivo se constrói um laço afetivo, e a responsabilidade do padrinho ou madrinha é ética, e não legal. 

Em 2009, as Orientações Técnicas para os serviços de acolhimento, reforçam a necessidade de criação de estratégias para a preservação e fortalecimento da convivência comunitária e oferecem parâmetros de funcionamento de um projeto de apadrinhamento afetivo. 

Projetos de Apadrinhamento Afetivo ou similares devem ser estabelecidos apenas quando dispuserem de metodologia com previsão de cadastramento, seleção, preparação e acompanhamento de padrinhos e afilhados por uma equipe interprofissional, em parceria com a Justiça da Infância e Juventude e Ministério Público. Nos Projetos de Apadrinhamento Afetivo devem ser incluídos, prioritariamente, crianças e adolescentes com previsão de longa permanência no serviço de acolhimento, com remotas perspectivas de retorno ao convívio familiar ou adoção, para os quais vínculos significativos com pessoas da comunidade serão essenciais, sobretudo, no desligamento do serviço de acolhimento. Para estes casos, a construção de vínculos afetivos significativos na comunidade pode ser particularmente favorecedora, devendo ser estimulada, observando os critérios anteriormente citados. (BRASIL, 2009, p. 52)

Para além dos aspectos acima citados, até o momento o apadrinhamento afetivo acontece de diferentes maneiras em âmbito nacional, sendo firmadas parcerias entre organizações da sociedade civil, Varas da Infância e Juventude, Ministério Público e as instituições responsáveis pelo acolhimento das crianças e adolescentes. Cada projeto estabelece suas próprias definições e metodologia, como critérios de seleção e forma de acompanhamento dos padrinhos e madrinhas, por exemplo.

O apadrinhamento afetivo é uma oportunidade de ressaltar a individualidade de cada criança e adolescente acolhido, um dos maiores desafios no cotidiano de uma instituição! Ao olhar, escutar e ter atenção voltada ao afilhado, o padrinho ou madrinha coloca em foco aquela criança ou adolescente e se torna parceiro do serviço de acolhimento na desafiadora tarefa de cuidar e educar. Para as crianças e adolescentes dos serviços de acolhimento, portanto, há algo especialmente proveitoso: a possibilidade de ter uma atenção individualizada e de estabelecer um vínculo estável e duradouro com um adulto de referência. 

Para saber mais sobre o Programa de apadrinhamento afetivo acesse nossas publicações.