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OFICINA – ESTRATÉGIAS EM SAÚDE MENTAL: MANEJO DA AGRESSIVIDADE E VIOLÊNCIA

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OFICINA – ESTRATÉGIAS EM SAÚDE MENTAL: MANEJO DA AGRESSIVIDADE E VIOLÊNCIA

No dia 25 de setembro de 2024, o Instituto Fazendo História realizou a décima primeira oficina presencial do Projeto Formação Profissional para o Trabalho com Jovens, com o apoio do FUMCAD (Fundo Municipal da Criança e do Adolescente), no Instituto Pólis. Com o tema "Estratégias em saúde mental: manejo da agressividade e violência", o encontro foi direcionado aos profissionais que atuam nos Serviços de Acolhimento e também a outros atores da Rede Socioassistencial e do Sistema de Garantia de Direitos da Cidade de São Paulo. 

A oficina contou com a participação de Kleber Duarte Barreto, psicólogo e supervisor clínico, que atua como pesquisador e supervisor na área de Acompanhamento Terapêutico (AT) na UNIP, além de coordenar a equipe Prosopon de AT. Desde 2004, ele supervisiona a equipe de AT do CEVAT, do Tribunal de Justiça de São Paulo e é, também, autor do livro “Ética e Técnica no Acompanhamento Terapêutico: andanças com Dom Quixote e Sancho Pança”.

Kleber abre o encontro abordando o quanto é desafiador esse tema do manejo de situações de agressividade e violência junto a adolescentes, que faz parte da rotina daqueles que trabalham nos serviços de acolhimento. Em um primeiro momento, permeado por relatos de experiências de sua prática profissional e pela abertura às questões dos participantes, ele apresentou conceitos básicos para aprofundar o olhar e a reflexão, a partir das ideias dos psicanalistas Donald Winnicott e Gilberto Safra. 

O convidado trouxe a ideia de hospitalidade como uma das condições básicas do ser humano, ligada à experiência de pertencimento, ou seja, temos a necessidade de nos inscrever na subjetividade de alguém, o que vai ganhando complexidade: desde pertencer a um grupo familiar, a uma comunidade, até a uma sociedade e à história da humanidade. Nesse sentido, há casos, quando já se perdeu a esperança de pertencer, em que se usa, como último recurso, a violência. Os comportamentos mais desafiadores de adolescentes, difíceis de suportar porque machucam e despertam ódio, podem se apresentar como formas desesperadas de buscar reconhecimento de que se pertence e está na subjetividade de outra pessoa.

Kleber também indica a agressividade enquanto um aspecto constitutivo do ser humano e que surge a partir da experiência de corporeidade do bebê, no processo de integração da dimensão somática, com a qual se nasce, a uma dimensão psíquica. Aprofundando na teoria de Winnicott, ele discute sobre a experiência de onipotência do bebê e como, à medida que o ambiente vai falhando, o que invariavelmente acontece e é necessário para que ele desenvolva seus recursos psíquicos e mentais, surge a agressividade. É por meio da agressividade que se desenvolve o princípio de realidade: quando tenta-se destruir o outro e o outro sobrevive, o bebê percebe que seu desejo de destrutividade não é tão poderoso assim. O convidado aborda a importância dos adultos sobreviverem a esse ataque e questiona como isso pode se desenrolar no contexto do acolhimento.

Kleber convoca o grupo a pensar como a violência vai ganhando complexidade conforme a criança cresce e tendo efeitos mais drásticos nas relações com o ambiente, despertando naqueles à sua volta sentimentos de raiva e ódio, os quais precisam ter um lugar de reconhecimento pelos profissionais. O ódio das crianças e adolescentes, e também dos adultos, pode se voltar para dentro, atacando o humor, a vitalidade e os vínculos internos, e se constituindo como ressentimento; ou para fora, se direcionando às pessoas de quem mais se gosta e com quem têm experiências de amor: de modo geral, quem mais nos desorganiza, é quem mais amamos. Pode-se viver esse ódio atuando nas relações, ferindo e machucando o outro, ou expressá-lo de outras maneiras, mais simbólicas.

Ele apresenta o serviço de acolhimento enquanto um lugar que deve ofertar experiências de cuidado e convivência às crianças e adolescentes, em um âmbito institucional, reproduzindo situações e relações básicas próprias do funcionamento de uma casa, para que eles se constituam e sigam suas vidas. Estas condições envolvem vivências de conflitos, presença de figuras masculinas e femininas, possibilidades de fantasias de separação e experiências de amor e ódio com uma mesma pessoa, integrando-a na relação. Traz também a relevância de pessoas de referência que sobrevivam, física e psiquicamente, aos ataques de ódio, para que, assim, os adolescentes possam perceber suas histórias de forma mais objetiva, reconhecer que as relações são compostas por coisas boas e ruins, e escolher dentro de possibilidades (não só, repetir). 

O convidado também atenta os profissionais para como a própria experiência de abrigamento é vivida pelos adolescentes como uma violência, que deixa marcas, da mesma forma que é importante reconhecer outras violências que se estabelecem, de modo silencioso, no cotidiano dos serviços e não são compreendidas como tal, tais quais situações de capacitismo, de superproteção e de ausência de limites. Ele aponta como a vivência de rupturas, enfrentamentos e conflitos, que pode envolver gestos de agressividade, é necessária para o amadurecimento do adolescente, e precisa de um ambiente acolhedor e seguro para que seja experienciada. 

Ambiente este no qual, a partir da relação com alguém mais significativo e que tenha sensibilidade para compreender o panorama no qual se deu conflito, o adolescente tenha a possibilidade de acolher em sua subjetividade essa experiência de dor e possa se situar, de maneira mais saudável e simbólica, frente à situação imediata, assim como à sua própria história. Nessa perspectiva, Kleber problematiza o lugar do castigo e da punição como formas de lidar com comportamentos desafiadores, indicando como atuam, muito mais, como tentativas de inibir, do que de transformar. E, como pensar em estratégias de interlocução, de restabelecimento da confiança e de construção de compromissos, nas quais os adolescentes tenham opções de escolha e sejam reconhecidos para além do lugar de desafio, pode ser um caminho muito mais efetivo.

Para ilustrar a ideia da experiência de habitar o coração do outro como transformadora, Kleber apresenta um trecho do documentário “Human”. Na segunda parte do encontro, os participantes se dividiram em grupos para discutir casos do cotidiano nos serviços de acolhimento, envolvendo situações de agressividade e violência com adolescentes, e depois expuseram no grupo maior, com a mediação do convidado.

Confira o vídeo com a oficina completa: clique aqui

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OFICINA - RELAÇÕES RACIAIS E O ACOLHIMENTO DE ADOLESCENTES

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OFICINA - RELAÇÕES RACIAIS E O ACOLHIMENTO DE ADOLESCENTES

No dia 31 de julho de 2024, o Instituto Fazendo História realizou a décima oficina presencial do Projeto Formação Profissional para o Trabalho com Jovens, com o apoio do FUMCAD (Fundo Municipal da Criança e do Adolescente), no Instituto Pólis. Com o tema "Relações raciais e o acolhimento de adolescentes", o encontro foi direcionado aos profissionais que atuam nos Serviços de Acolhimento e também a outros atores da Rede Socioassistencial e do Sistema de Garantia de Direitos da cidade de São Paulo.

Convidamos Paulo Bueno, psicanalista, psicólogo, mestre e doutor em Psicologia Social. Paulo também colaborou com o Instituto AMMA Psique & Negritude de 2020 a 2021 e é autor de Coisas que o Pedro me ensina: crônicas de uma paternidade.

Paulo iniciou o encontro com os questionamentos: Como pensar as relações raciais na adolescência no contexto do acolhimento institucional? E como podemos desenvolver uma prática em Serviços de Acolhimento que possa ser identificada como antirracista?

Para refletir sobre uma prática antirracista, Paulo convidou todos a pensar sobre o que é o racismo, apresentando os elementos que compõem essa violência.

O racismo pressupõe a presença de três elementos. O primeiro é a construção da diferença. Para se falar de racismo, é necessário considerar a diferença como uma construção histórica. Não se trata apenas de constatação, mas de uma diferença específica em caracteres raciais que ganha propriedades ao longo do tempo. Nesse sentido, a diferença presente na noção de raça é construída, não como uma invenção, mas como uma categorização — por exemplo, entre raças branca, negra, amarela e indígena.

A diferença, por si só, pode produzir discriminação. Quando pensamos em outras formas de diferença que não são necessariamente raciais, encontramos formas discriminatórias — uma separação, critérios de segregação. Porém, nesse primeiro elemento, ainda não se inclui a ideia de negatividade presente no racismo.

Pode haver discriminação positiva; inclusive, pode-se encontrar valor nela, uma vez que o conceito de igualdade tende a nivelar diferenças, o que pode ser problemático. Por isso, no campo das políticas públicas, opta-se por políticas de equidade em vez de políticas de igualdade. Reconhecemos as diferenças e, assim, promovemos uma discriminação positiva que possibilita políticas de equiparação, como a política de cotas raciais.

O segundo elemento que compõe a noção de racismo é a hierarquia. Além de constatar a diferença, há também a sua hierarquização, algo que foi fomentado pelo colonialismo.

O colonialismo, ao inventar as raças, imediatamente hierarquizou entre aqueles que são considerados racionais e aqueles que não seriam dotados dessa capacidade. Os mais próximos de uma civilidade conforme os padrões europeus — ainda que existam outras civilizações com diferentes formatos — são escolhidos como modelo civilizatório, com outras sociedades sendo vistas como primitivas.

A diferença, combinada com a hierarquia, gera não apenas discriminação, mas também preconceito, pois a hierarquização implica uma inferioridade inata, socialmente construída em relação a determinado grupo.

Por fim, o terceiro elemento fundamental para a construção do racismo é o poder. Há uma distribuição desigual nas relações raciais; além da hierarquização, o poder se concentra em um determinado grupo — o grupo branco — em comparação com os demais grupos racializados. Paulo trouxe para a discussão Grada Kilomba, que aponta que o racismo, necessariamente, está relacionado à supremacia branca. Isso se torna claro quando observamos que o poder, os bens materiais e os bens simbólicos estão concentrados nas mãos da branquitude.

Ao incluir o elemento do poder na definição de racismo, entende-se por que não é possível falar em racismo contra si próprio. Não existe racismo contra si próprio, pois a dinâmica de poder fará com que práticas e discursos racistas sejam voltados contra a própria população negra. Paulo exemplificou que, se ele se posicionar contra as cotas raciais, no futuro, as crianças de sua família serão prejudicadas. Nesse sentido, a noção de racismo contra si próprio não se sustenta, pois é necessário considerar o poder nas relações raciais.

Paulo explicou que o conceito de "racismo reverso" é impreciso. Mesmo que ocorram comportamentos hostis de indivíduos negros contra indivíduos brancos com base em raça, essas ações não se enquadram na definição de racismo, pois a dinâmica de poder subjacente permanece inalterada, sendo este um elemento crucial na definição de racismo.

A noção de racismo apresentada por Paulo Bueno se sustenta na diferença, hierarquia e poder, diferenciando as categorias de racismo, preconceito e discriminação, que não são sinônimos. No racismo, há discriminação e preconceito; no preconceito, há discriminação, mas não necessariamente racismo.

Paulo avançou na definição de racismo, diferenciando o racismo estrutural do racismo institucional, que, por sua vez, difere do racismo cotidiano. Na oficina, ele abordou em mais detalhes essas distinções e como o racismo se manifesta nas instituições, assim como os impactos que os jovens negros acolhidos sofrem em seu dia a dia.

Paulo Bueno é psicanalista, psicólogo (PUC-SP), mestre e doutor em Psicologia Social (PUC-SP). Ele também colaborou com o Instituto AMMA Psique & Negritude (2020-2021) e é autor de Coisas que o Pedro me ensina: crônicas de uma paternidade. Além disso, atua como supervisor clínico e institucional, é docente no Instituto Gerar de Psicanálise, pesquisador do Núcleo Psicanálise e Sociedade (PUC-SP) e professor convidado do Programa Fellowship (2021-2022) da Columbia University.

Confira o vídeo com a oficina completa: clique aqui.

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OFICINA – COMO FALAR SOBRE HISTÓRIAS DIFÍCEIS

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OFICINA – COMO FALAR SOBRE HISTÓRIAS DIFÍCEIS

No dia 27 de julho de 2022, o Instituto Fazendo História realizou a oficina online “Como falar sobre histórias difíceis”, que contou com a participação da especialista Valeria Tinoco, psicóloga, mestre e doutora pelo Programa de Psicologia Clínica da PUC-SP, autora de capítulos em livros e artigos científicos e representante da IAN Brasil (International Attachment Network).

Valéria inicia abordando como o trabalho na área do acolhimento fundamenta-se a partir de temas difíceis, sendo que ele começa quando algo dá errado, em alguma medida. Coloca como uma grande pergunta: como lidar com temas que geram em nós, e imaginamos que também vão gerar nas crianças, emoções muito complexas, normalmente associadas ao sofrimento? Ela traz que, quando poupamos as crianças dessas conversas, fazemos com as melhores das intenções, para que não enfrentem mais dificuldades, e que a proposta da oficina é conversar sobre alguns temas para vermos a que conclusão chegamos.

A especialista apresenta, então, uma história que faz parte do livro “Meu filho Pato”, organizado pelo Ilan Brenman e apoiado pelo Instituto Quatro Estações. O conto se chama “Pensamentos da bexiga murcha”, de Indigo, e trata de temas difíceis, como envelhecimento, morte e medo, de uma forma possível e leve, sem negar essas questões desafiadoras e sem fazer uso de formas distorcidas ou metáforas para poder enfrentá-las. A partir disso, ela salienta que, para abordar o assunto da oficina, gostaria de fazê-lo por meio de três eixos: 1) os temas difíceis em si; 2) a partir da perspectiva da criança ou do adolescente; 3) falar sobre o adulto que conversa com a criança.

Valéria, iniciando pelo terceiro eixo, colocando que esse tipo de conversa com as crianças requer disponibilidade da nossa parte: precisamos estar disponíveis emocionalmente, ter tempo e espaço em nosso entorno. Traz que questões, como Eu aguento?, Tenho tempo?, Estou preparada para falar sobre isso?, precisam estar em nosso radar, indicando o que devemos nos atentar para viabilizarmos estas conversas, seja cuidando de nossas próprias dores, buscando ajuda ou nos informando sobre aquilo que não temos ainda muito repertório para lidar. Reforça que quando evitamos certos assuntos visamos proteger a criança, mas será que não queremos também nos proteger? Esses temas podem gerar também nos adultos sentimentos como tristeza, medo e vergonha, associados à forma como foram criados, passando por situações onde não se podia conversar ou suas necessidades não eram reconhecidas.

Traz, então, que não é o fato de conversarmos sobre temas difíceis o responsável pelas emoções dolorosas - estas têm origem na notícia em si, que está além do que o adulto, seu portador, pode controlar. Quando não falamos de determinado assunto, não permitindo que a criança ou o adolescente conheça dados de sua história, estamos negando-lhe a oportunidade de elaborar aquela experiência. O acúmulo de vivências não elaboradas vai impactar enormemente em sua saúde mental e em seu desenvolvimento, principalmente no que se refere à formação de vínculos. Coloca como questão: como essa criança ou esse adolescente vai se vincular e confiar em alguém se vive cheio de mistérios e lacunas, e se há partes de sua história que não consegue entender? Ela enfatiza que cabe aos Serviços de Acolhimento trabalhar para preencher essas lacunas, dizendo às crianças e aos adolescentes que, apesar de difíceis, eles podem dar conta de caminhar com a sua própria história. E que, quando falamos, os preparamos não apenas para lidar com a situação daquele momento, mas também para enfrentar outros acontecimentos que necessariamente vão passar e que lhes dizem respeito.

Em seguida, a especialista apresenta elementos para pensarmos acerca dos temas difíceis em si e como estes nos despertam sentimentos que nos deixam vulneráveis, e tendemos a evitá-los. Além disso, o desconhecimento do tema e o tabu que permeia o falar de certos assuntos e que percorre gerações podem gerar mais desafios. Traz exemplos de sua experiência prática indicando uma tendência, de muitas vezes, as pessoas acreditarem que, para começar uma nova história, tudo o que diz respeito ao passado deve ficar para trás, incluindo as relações e vínculos temporários criados nas experiências de acolhimento. E reforça o quanto é importante, mesmo com o sofrimento gerado pelo rompimento inerente ao acolhimento, o desenvolvimento de vínculos de qualidade e o aprendizado de que é possível se vincular e viver uma experiência de afeto. O sofrimento em uma relação de vinculação é um sinal de saúde emocional e o problema aparece quando não sentimos nada a partir de um rompimento. Recorre à frase do especialista em luto Colin Parks, “a dor da perda é o custo do compromisso, perdemos só o que temos”, para dialogar acerca da ideia de que a única forma de não sofrer diante do afastamento é o não investimento na relação e em outros futuros possíveis para as crianças e adolescentes, o que sai do escopo do trabalho a ser desenvolvido em um Serviço de Acolhimento.

Em relação ao eixo da perspectiva da criança ou do adolescente, Valéria se refere a como não saber o que aconteceu é muito mais angustiante e torna a perda muito mais complexa de ser enfrentada, uma vez que, quando há segredos ou mistérios, ele não consegue construir uma nova forma de estar nesse mundo. Levanta como questão: o que podemos, como adultos, oferecer a essa criança ou a esse adolescente para facilitar o enfrentamento de uma situação desafiadora, a reconstrução de seu mundo e a confiança de que a vida vale a pena de ser vivida? Salienta que, certamente, a resposta não é o silêncio, o qual caminha junto com a ideia de que aquilo que vivencia não é importante.

No final de sua apresentação, a especialista expõe os fatores que considera que dificultam ainda mais a vivência de experiências difíceis pela criança ou pelo adolescente: a falta de informação sobre o que aconteceu; não ter alguém em quem confiar para poder perguntar e pedir ajuda; não ter suas necessidades reconhecidas e não poder expressar o que se sente; um entorno instável e inseguro; e a exposição contínua a outros estresses. Valéria ainda apresenta mais dois recursos que podem contribuir para a instrumentalização para o trabalho com os temas difíceis. Primeiro, traz a técnica “O mundo de...”, espaço para que se coloque todos os elementos da história de uma criança ou adolescente, concretizando qual ela é e fortalecendo a ideia de que ele é capaz de enfrentar aquilo que está em seu mundo, encontrando, assim, uma sensação de potência. Em seguida, oferece uma animação, baseada no livro “O dia em que o passarinho não cantou”.

Por fim, foi aberto um espaço para que os participantes da oficina trouxessem perguntas e considerações sobre o que foi abordado, associando às experiências na área do acolhimento. Algumas questões foram levantadas, relacionadas às práticas de não vinculação e de não poder chorar como ainda frequentes e aos comportamentos de resistência apresentados por uma criança durante o percurso de adoção. Valéria aproveita para caracterizar o luto como um processo adaptativo a uma perda significativa e, como tal, normal e esperado. E fortalece o papel dos profissionais da área de acolhimento no lugar de compreender e oferecer conforto, a partir da experiência do outro.

Assista o vídeo com a oficina completa: https://youtu.be/JRSd5s1TT6E

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OFICINA – SEXUALIDADE E DESENVOLVIMENTO

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OFICINA – SEXUALIDADE E DESENVOLVIMENTO

No dia 14 de junho de 2022, o Instituto Fazendo História realizou a oficina online “Sexualidade e Desenvolvimento”, que contou com a participação das especialistas Camila Guastaferro, psicóloga, mestre em Ciências pelo Programa de Educação e Saúde na Infância e Adolescência (UNIFESP) e diretora científica do Instituto Kaplan, e  Carla Veríssimo, psicóloga, psicanalista, mestre em psicologia social pela PUC/SP e que trabalha com serviços de acolhimento desde 1998,  como técnica, coordenadora e analista institucional.

Camila inicia sua apresentação trazendo que, quando pensamos em sexualidade, falamos de um aspecto central do ser humano, de uma energia que motiva para a vida e que se conecta a como nos sentimos, percebemos e a como nosso corpo reage e sente prazer. Marca uma diferença no entendimento apenas como um fator biológico, ampliando para algo que começa a se inscrever na nossa existência conforme nos constituímos como sujeito e formamos os primeiros vínculos, envolvendo nossos pensamentos, fantasias, desejos e crenças. Aborda, assim, como os conceitos que rodeiam a compreensão do que é sexualidade vão se transformando, já que são históricos e culturais, e que ela participa de formas diferentes em cada fase de nossa vida.

A partir daí, Camila traça um percurso do desenvolvimento da sexualidade, desde a primeira infância e abrangendo como ela vai permeando de diferentes formas nossas experiências no mundo e as mudanças que vamos passando. Traz que, ao contrário do senso comum, que remete à relação sexual e à masturbação, a sexualidade começa quando nascemos e ainda somos completamente dependentes do outro, passando a nos relacionar com o nosso corpo e a capturar as sensações que o mundo nos promove. Nesse período, de 0 a 1 ano, nossas experiências de prazer estão mais centradas na sobrevivência e localizadas na região oral, associadas a como vamos entendendo esse vínculo que vai se constituindo com nossos cuidadores, o qual pode contribuir, ou não, para construção de uma base de segurança e confiança em si e no outro.

Em seguida, a especialista coloca que, na fase de 1 a 2 anos, de uma relação de dependência total, a criança passa para uma posição de dependência relativa, quando entra o controle motor, ela começa a descobrir os limites corporais e a apontar e falar de seus desejos. Segue descobrindo o mundo a partir da sensorialidade e da experimentação, mas ampliam-se as formas de sentir prazer, relacionadas à incorporação das regras sociais, à descoberta do que é ela e o que é o outro e do que é reconhecido e o que é negado. Surge uma angústia relacionada à separação de suas figuras constantes, quando elas existem, e que depende de como ela pode transitar nos espaços de descobertas e de caminhar para sua autonomia.

Ao falar do período de 3 a 6 anos, Camila apresenta uma criança que já domina a fala, observa, expressa ideias e vai descobrindo diferentes sensações de prazer. É uma fase marcada pelo aumento da capacidade de realização, onde ela começa a conhecer os papéis sexuais e de gênero, as interdições e a ter curiosidade na exploração do corpo do outro. Surge também a culpa relacionada à sexualidade, quando percebe que se tocar uma certa região de seu corpo, se produz uma sensação gostosa (falamos aqui de manipulação, não ainda de masturbação, a qual se relaciona à adolescência e que envolve uma intenção erótica). A auto-permissão assume um lugar fundamental, como condição para que, em futuros encontros amorosos, as pessoas consigam se permitir e se apropriar de como o corpo sente prazer.

Dos 7 aos 10 anos, a especialista destaca uma maior capacidade para perceber o mundo, conhecendo-o e explorando-o, momento fundamental para o desenvolvimento da sexualidade e de inscrição de uma valorização de si, do que consegue fazer e de qual o seu papel nos grupos que faz parte. É quando se entra em contato com como o corpo funciona e amplia-se sua curiosidade, sendo muito importante acompanhar a criança, a partir das informações que ela traz, do que sabe e até onde vai. Reforça como uma sexualidade cheia de tabus pode impedir que ela se aproprie de si mesma e tenha segurança em poder sentir prazer com seu corpo, de acordo com sua faixa etária.

Por fim, Camila apresenta a fase da adolescência, abrangendo como a puberdade faz parte desse período, associada às mudanças no corpo, que atinge a capacidade reprodutiva e sexual. É quando o adolescente vai absorvendo todas as transformações que vão ocorrendo, permeadas por bastante sofrimento, reconhecendo como se apropria e se há identificação ou estranhamento em relação a seu corpo. Percebe mudanças em suas relações, aparecem novos sentimentos e sensações e ampliam-se as possibilidades de questionar e entrar em contato com uma multiplicidade de prazeres, interesses e comportamentos no exercício de sua sexualidade. Ela finaliza enfatizando como é essencial um espaço no qual o adolescente possa falar desse corpo, de como o sente e o percebe, incorporando conceitos de liberdade e singularidades.

Carla, por sua vez, se utiliza da fala de Camila como pano de fundo, para abordar aspectos acerca da atuação dos profissionais nos serviços de acolhimento no que diz respeito à sexualidade. Inicia trazendo como é complexo esse trabalho, no qual todos devem se enxergar como educadores, e chama para a responsabilidade de garantir o caráter protetivo e de promoção dos direitos das crianças e dos adolescentes. Destaca como fundamental a consideração sobre qual o espaço social que estamos inseridos e o que ele traz de história, que reproduzimos em nossas práticas institucionais.

A segunda especialista reforça a importância do papel do educador como um influenciador na vida dessas crianças, adolescentes e famílias em situação de vulnerabilidade e apresenta alguns dispositivos centrais para nortear essa prática. O primeiro deles é o Projeto Político Pedagógico do Serviço (PPP), o qual precisa ser cuidadosamente construído e revisado, para se pensar quais são os princípios e diretrizes que conduzirão o trabalho e como temas como identidade, individualidade e diversidade cultural e religiosa serão tratados. Ela indica que é por meio desse projeto, que deve incluir o olhar de todos os atores envolvidos no serviço, que compreenderemos se há e qual a abertura para se conversar a respeito da sexualidade, como olhar para cada criança e adolescente e, a partir daí, qual a responsabilidade, enquanto educador, nesse percurso.

Carla também discorre acerca do Plano Individual de Atendimento (PIA), como um instrumento que permite pensar no projeto que aquele serviço tem para desenvolver com cada uma das crianças e adolescentes. Aborda como, para sua elaboração, se torna essencial uma conversa prévia entre toda a equipe, considerando diferentes olhares e informações sobre aquela criança ou adolescente e, nessa perspectiva, a participação dos educadores é estratégica, já que são eles que ficam mais tempo com o grupo, cuidando, escutando as angústias e lidando com os conflitos que surgem, de forma mais imediata. Atenta para a importância da inclusão das famílias, assim como de outras instituições e da própria comunidade, para que se compreenda sua realidade, qual a sua história de vida e a razão da medida de acolhimento.

A partir daí, Carla direciona ao que isso tem a ver com a temática da sexualidade. Aponta como é importante compreender o desenvolvimento individual e como esse aspecto se opera em cada um, assim como quais foram os estímulos que essa criança recebeu e qual é a ideia de sexualidade que a permeia. Em relação às situações delicadas que podem surgir nos serviços, traz como é importante os espaços de troca e de interlocução com toda a equipe e questiona até onde vão as possibilidades e limites de atuação. Apresenta uma situação de erotização precoce, quando ocorre uma estimulação inadequada, antecedendo a fase de desenvolvimento que a criança está, para pensarmos nos desafios que se impõe sobre como entender o caso e agir. Outra situação que surge é de quando há um interesse de um adolescente por um educador: como cuidar para que não atuemos apenas de modo repressivo? Como consideramos o momento da adolescência e como é preciso dar espaço para que tragam questões que os angustiam e para que desenvolvam sua sexualidade de modo tranquilo?

Ela também atenta para o desafio de, nos Serviços de acolhimento, encarar os desconfortos frente às questões que “borbulham”, principalmente com os adolescentes, pensando em como se conduz e qual o reflexo dessas ações para o futuro deles. Trabalhamos com silenciamentos, onde tudo é proibido e nada pode ser dito? Como lidar com o segredo que nos contam? E com atitudes que são permitidas nas casas de suas famílias, mas nos serviços não? Como é tratada a diferença de gênero? E a pouca privacidade que se tem dentro do serviço?  Coloca como todos esses aspectos são bastante complicados e precisam de espaço para serem tratados de forma humanizada, para que não se caia em uma exigência de rigor na conduta, além do que pode ser posto em prática por um sujeito saudável.

Carla finaliza problematizando o lugar desse educador, que precisa se abrir para, de fato, ser tocado e rever suas próprias posições, princípios e o que pode ou não ser permitido, a partir do que se apresenta no contato com o outro. Sem essa abertura, não conseguimos oferecer condições que contribuam para o desenvolvimento intelectual, emocional e social dessas crianças e adolescentes, para que sejam capazes de enfrentar o mundo.

Por fim, foi aberto um diálogo com os participantes, para que trouxessem perguntas e considerações sobre o que foi abordado, associando às suas experiências na área do acolhimento. Surgiram alguns questionamentos acerca de como conversar sobre o tema da sexualidade e escolher os materiais a serem utilizados com as crianças e adolescentes, de acordo com sua idade. Nesse momento, as especialistas destacam a importância de reconhecer a capacidade cognitiva de cada um e como é possível trabalhar sobre um mesmo aspecto, como é o caso do consentimento, de formas diferentes, respeitando cada fase e incluindo mais repertórios à medida que eles se desenvolvem. Abordam também como fundamental trabalhar processualmente, não interditando, mas trazendo limites e regras que indiquem a relação com a sexualidade como algo privado, e nomeando diferenças, que possibilitem às crianças e aos adolescentes estabelecer um lugar de segurança em relação ao seu corpo.

A oficina está disponível na íntegra no canal do YouTube do Instituto Fazendo História:

 

 

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Oficina - Saúde Mental e Medicalização: Como cuidar no acolhimento?

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Oficina - Saúde Mental e Medicalização: Como cuidar no acolhimento?

No dia 13 de Abril de 2022 o Instituto Fazendo História realizou a oficina presencial com o tema: “Saúde Mental e Medicalização - como cuidar no acolhimento?”, que contou com a participação das especialistas: Fernanda M. P. de Resende, médica psiquiatra formada pela USP, mestra pela UNIFESP, trabalha na saúde pública desde 2007, em CAPSiJ e NASF, e, Luana Marçon, terapeuta ocupacional, mestra e doutoranda pela UNICAMP, na área de Política, Planejamento e Gestão.

A abertura da oficina se deu com a fala da psiquiatra Fernanda comentando que os maiores especialistas são as crianças e os adolescentes uma vez que são eles que vivenciam cotidianamente o sofrimento, Fernanda fala da importância de ter seu percurso profissional no SUS, e que a partir dessa experiência encontra outras formas de cuidar dos pacientes infanto juvenis para além da medicalização. Comenta que seu trabalho está na contramão da medicalização de crianças e adolescentes, enfatizando os seguintes pontos: o perigo da patologização precoce, considerando a idade, as fases do desenvolvimento daquele sujeito, a história de vida, o contexto no qual ela está inserida, a cultura e a socialização.

 A especialista conta que a questão da medicalização não se trata apenas de administrar “essa” ou “aquela” medicação, devendo-se considerar todos os fatores acima descritos.  Fernanda citou o exemplo do uso excessivo da Ritalina, reforçando que há estudos tanto no Brasil como nos Estados Unidos que seu uso está em uma porcentagem muito alta. Alerta sobre o perigo de profissionais e familiares por essa busca desesperada por um diagnóstico, sendo que pode haver profissionais que avaliam sem a devida atenção e cuidado que esse paciente merece, questionando a necessidade de na primeira consulta a criança já ser medicada.

Fernanda também aborda o uso excessivo da Ritalina e da Risperidona, uma vez que não existem estudos suficientes sobre os efeitos desses medicamentos em crianças. Os adultos passam a buscar incessantemente rótulos, como o TDAH, que é aquela criança agitada, que não para na cadeira, tem dificuldade em se concentrar, tem dificuldade na aprendizagem, não estuda muito, mas tanto na realidade dos serviços como fora dele, não é difícil encontrar crianças assim. A criança tem muita energia, é corpo, é movimento, e qual tem sido o benefício ofertado para as crianças e adolescentes quando introduzimos a medicação? Será que a criança está em sofrimento ou será que são os adultos que não estão conseguindo lidar com seus comportamentos? Existe uma cultura que diz que devemos interditar as crianças.

Para tanto, a especialista traz o DSM V, que define as categorias (classificações diagnósticas), mostrando o quanto tem aumentado o número de diagnósticos na infância, e como tais critérios vão se alargando, e mais pessoas foram entrando no diagnóstico, como por exemplo o autismo, e vão escalando em níveis, tais como: leve, moderado e grave, entre outros transtornos mentais, como depressão, ansiedade, TDAH.

Fernanda comenta que na década de 60/70, houve um avanço no estudo da infância, e cada vez mais as famílias vão se sentindo pouco autorizadas a cuidar das crianças, buscando por especialistas, por psicólogos e etc, perdendo assim a capacidade de cuidar de seus filhos. Ela também cita como o neoliberalismo influencia diretamente no processo de medicalização, e o quanto esse sistema vai definindo algumas formas de viver, de nos portar, de nos comunicar, incentivando o individualismo e exigindo que o sujeito tenha performance. O aumento do uso de Ritalina vem para aumentar a performance, passando a ser usado por universitários, porque isso aumenta a concentração, mesmo sem eles terem algum tipo de diagnóstico, uma vez que a sociedade passa a olhar para o sujeito como alguém que precisa entregar resultados, mesmo com os riscos do uso.

A especialista também destaca o avanço da psiquiatria biológica a partir da década de 50, que começa a desenvolver os medicamentos e gera uma “febre” com a possibilidade mudar o comportamento das pessoas com determinada medicação. A indústria farmacêutica investe e ganha muito com isso e as pesquisas de novas medicações são patrocinadas pela indústria farmacêutica. Importante ressaltar que muitos medicamentos não possuem estudos dos efeitos de dependência e as pessoas não conseguem largar, alertando que deve existir uma cautela no uso de qualquer medicação.

No final de sua fala ela traz um trecho do filme System Crasher, na tradução do Brasil “Transtorno Explosivo”. O vídeo traz uma criança que tem questões de agressividade e é acolhida, por sua mãe não conseguir lidar com seus comportamentos, e então passam a olhar e cuidar dela como uma criança que possui questões de saúde mental e deixam de considerar sua história. Fernanda finaliza dizendo sobre os efeitos colaterais das medicações, a curto prazo e a longo prazo, impacto na subjetividade e controle dos corpos. Efeitos a curto prazo:  sonolência, diminuição de apetite, dificuldade de concentração, apatia. Enfatizou o quanto se perde da infância quando a criança toma  medicação - o contato com a fantasia, com o sonho e com o onírico. A longo prazo: muito ainda não se sabe, mas pode ter alteração no crescimento (abaixo do esperado), pouco ganho de peso, ginecomastia (crescimento dos seios tanto em meninas como meninos), alteração dos movimentos, tremores, assim como questões neurológicas e comportamentais, sem contar o impacto na subjetividade, o quanto a criança se sente incapaz de lidar com seus próprios conflitos, porque ainda está em desenvolvimento. 

Em seguida, a especialista Luana inicia sua fala mencionando que poderia discorrer sobre ter sido uma criança diagnosticada na infância e o quanto a escolha de sua profissão (Terapia Ocupacional) tem a ver com a proximidade de sua mãe em serviço de acolhimento. A especialista convoca os profissionais ali presentes a se reverem enquanto sujeitos que darão possibilidades para que as crianças se expressem em suas diferentes singularidades, e o quanto os adultos (nós), estamos reduzindo a nossa capacidade de pensar e fantasiar junto - a infância pode ser um lugar que está em todos nós. Luana destaca que tanto ela quanto Fernanda partem do princípio que existem crianças que possuem sofrimento psíquico grave e crianças em processo de adoecimento mental. Porém, apesar de existirem essas crianças, muitas vezes elas não têm acesso ao tratamento. Mesmo assim, em nossa sociedade, estamos medicando um número cada vez maior de crianças que não possuem nenhum tipo de transtorno mental e isso inverte o nosso problema, traz um modo empobrecido de pensar a infância e as possíveis soluções. A especialista provoca o público a ler poesias, autores que tirem desse lugar do não pensar além.

A questão da medicalização atinge todos nós, mas o eixo de crianças e mulheres é atingido de forma brutal e voraz, e se faz necessário fazer um recorte social - de classe, raça e gênero, pois enquanto algumas crianças, adolescentes e mulheres estão buscando acesso, em outros lugares esse mesmo público possui acesso sem dificuldade. De qual lugar falamos? Precisamos compreender que esse lugar do qual estamos olhando para as crianças e adolescentes está envolto de um período histórico e político, pautados por contingências sociais a partir dos marcadores citados. É preciso lembrar que no meio disso tudo a sociedade também exige que essa criança seja um “futuro vencedor”, e aí nos deparamos com o fracasso dessa equipe que não consegue educar e formar de forma suficiente essas crianças e adolescentes, que de alguma maneira já são estigmatizados por essa mesma sociedade.

Luana continua trazendo a importância de historicizar o campo infanto-juvenil e questiona como a psiquiatria começa a se interessar pelas crianças. Diferente do adulto que a psiquiatria vai investigar quem é o louco, no campo da infância a psiquiatria se interessa pelo “vagabundo”, a figura da criança que não pode ser inserida no aparelho social, a que não dá certo na escola, que não cumpre um destino e um projeto familiar. Devemos nos ater nesta premissa para entendermos do ponto de vista institucional que estamos cuidando de algo que foi produzido no século 19. Ainda não há uma preocupação sobre a  loucura da criança, mas sim de corrigir o vagabundo e a idiotia, aquelas crianças que não tem capacidade de aprender, que não vai cumprir um futuro no trabalho. A psiquiatria está preocupada com as instituições totais que vão dar conta dessas crianças, a partir do código de menores, pensando em cumprir um determinado papel que é “punir e disciplinar.”

Quando falamos de medicalização, não estamos falando apenas do olhar do especialista -  todos nós somos em algum nível convocados a narrar a partir de uma linguagem psicológica e psiquiátrica. A especialista dá um exemplo destacando que algumas palavras desapareceram do nosso vocabulário, como angústia, crise existencial, essas palavras foram substituídas por: ansiedade, depressão, insônia, etc.  Pontua que o problema da medicalização diz respeito também a um problema de linguagem, que não cabe somente ao médico especialista, mas de uma linguagem que é nossa, trazendo para a responsabilização de todos que “cuidam dessas crianças”. Para tanto, precisamos convocar o especialista, e todos nós a olhar a criança como um espaço potencial de risco, citando a primeira infância, onde nesses três primeiros anos tudo pode emergir, seja no que diz respeito ao comportamento, qualquer questão genética e do desenvolvimento. Nossa responsabilidade é evitar danos, prevenir riscos e fazer bons encaminhamentos. 

Luana fala do esvaziamento do cuidado de um familiar ou de um educador, ao passo que um certo regime de normas vai se expandindo, como - norma de desenvolvimento, norma de escrever normal, o jeito de falar corretamente. Falamos desse lugar do adulto em experimentar cada vez mais destituídos dessa autoridade que se distancia desse regime de normas, e isso gera uma confusão de que cuidar é vigiar. Ela provoca todos a sair desse lugar, para imaginar outros caminhos possíveis.

A especialista também cita o neoliberalismo como um regime que vai olhar as pessoas e as crianças que cuidamos como um investimento, como um futuro capital humano, e o que quer que falte tem a ver com sua falta de capacidade. Este é um regime de determinação e, no momento que estamos debatendo a identidade de gênero, o mundo avança para fazer chá revelação, para determinar se aquela criança vai ser menina ou menino, antes mesmo de nascer, a criança é individualizada antes de nascer e esse cenário restringe muito a nossa capacidade de lidar com crianças em situações difíceis, em adoecimento, em situação de institucionalização ou violência. 

Em seguida, Luana trouxe duas situações fictícias para se pensar na realidade e no cotidiano do acolhimento com crianças e adolescentes difíceis, refletindo sobre como os educadores podem narrar suas histórias para além das questões e do diagnóstico. O diagnóstico pode ganhar um lugar e ir destituindo tudo que o que se sabe sobre aquelas crianças e quando direcionamos essa criança para um especialista pode gerar um empobrecimento da subjetividade, dos modos de interação com a infância e também vai destituindo os adultos, os educadores do lugar que eles sabem sobre as crianças. Luana chama atenção para quanto fomos condicionando a necessidade das crianças a laudo, condicionando transporte a laudo, apoio escolar a laudo, mas não condiciona as necessidades materiais, concretas e psicológicas das crianças. Portanto, o diagnóstico e a medicina são importantes, mas não são totalizantes para lidar com a infância.

Ademais, a especialista retrata que no começo do século XX, os estudos estavam focados na sexualidade da criança, criança esta que joga, brinca, provoca. Estamos pensando na sexualidade nesse lugar de vida, que impulsiona, que desobedece, que se recolhe. Atualmente estamos lidando com uma certa mortificação desses atos, havendo um desaparecimento do brincar mais genuíno, sem sentido, um brincar que te lança ao risco, da possibilidade de fantasiar. São nesses momentos que a criança está se preparando para o mundo nas brincadeiras que elas mesmas criam. Será que a infância pode ser ao menos um pouco esse lugar que esse corpo que é adulto já passou e compreende de que lugar a criança fala e se manifesta?

Por fim, foi aberto ao diálogo com os participantes que trouxeram dúvidas e reflexões sobre o tema.

A oficina está disponível na íntegra no canal do YouTube do Instituto Fazendo História:

Parte 1:

Parte dois:

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Oficina - Racismo e Infância

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Oficina - Racismo e Infância

No dia 30 de agosto o Instituto Fazendo História realizou a oficina “Racismo e Infância”, que contou com a participação da pedagoga Luciana Alves, mestre em educação pela USP, doutoranda em educação na UNICAMP e consultora no Centro de Estudos e Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) e autora do livro “Ser branco” e de artigos científicos sobre relações raciais e da psicóloga Marleide Soares, que trabalhou com adolescentes em medidas socioeducativas e com crianças e adolescentes em acolhimento institucional e realiza palestras e aulas na temática do racismo na infância e orientações a famílias e educadores para o enfrentamento do racismo.

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Oficina - O Trabalho com famílias de origem

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Oficina - O Trabalho com famílias de origem

No dia 26 de julho o Instituto Fazendo História realizou a oficina “O Trabalho com famílias de origem”, que contou com a participação de Valéria Brahim, psicóloga e terapeuta de família com base na Teoria Sistêmica, especializada em Violência doméstica contra Criança e Adolescentes (USP), e também com Sara Luvisotto, assistente social e coordenadora do Serviço de Acolhimento Familiar do IFH.

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Oficina - O papel do educador

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Oficina - O papel do educador

No dia 31 de maio foi realizada a oficina “O Papel do Educador”, que contou com a participação da Valéria Pássaro, pedagoga com especializações e larga experiência na área de educação e acolhimento. Valéria iniciou a apresentação dizendo que, para além de suas formações, ela gosta de estar no papel e na função de educadora. Atua na área social há mais de 20 anos e, mesmo assim, continua aprendendo a ser educadora. Trouxe assim a reflexão de que “o bom educador é aquele que está sempre aberto a aprender”.

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OFICINA: "Trabalho com famílias: um desafio para toda equipe"

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OFICINA: "Trabalho com famílias: um desafio para toda equipe"

No dia 18 de janeiro de 2018 foi realizada a oficina "Trabalho com Famílias: um Desafio para toda Equipe" que contou com as participações da psicóloga Maria Angela Maricondi do NECA e da assistente social Sandra dos Santos Gama do SAICA Raio de Luz na cidade de São Paulo...

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OFICINA: "Racismo e suas implicações no acolhimento"

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OFICINA: "Racismo e suas implicações no acolhimento"

No dia 30 de setembro de 2017 foi realizada a oficina "Racismo e suas Implicações no Acolhimento" que contou com as participações do psicólogo e professor do Departamento de Psicologia Social da USP, Alessandro Santos e do psicólogo Emiliano de Camargo David do Instituto AMMA Psique e Negritude...

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OFICINA: "Adolescência e Autonomia: a experiência do Grupo Nós"

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OFICINA: "Adolescência e Autonomia: a experiência do Grupo Nós"

No dia 18 de fevereiro de 2017, foi realizada a oficina “Adolescência e Autonomia: A Experiência do Grupo nÓs", que contou com a participação do jovem estudante de artes Willian Jonathan e a equipe do Grupo nÓs, Mahyra Costivelli e Marcelo Melissopoulos...

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OFICINA: "Todo(a) cuidador(a) deve receber apoio, atenção, formação e ajuda em sua tarefa do bem cuidar"

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OFICINA: "Todo(a) cuidador(a) deve receber apoio, atenção, formação e ajuda em sua tarefa do bem cuidar"

Nos dia 9, 10 e 11 de Novembro, foi realizado o III Seminário Internacional de Qualidade nos serviços de acolhimento de crianças e adolescentes na Universidade Anhembi Morumbi, sob a organização do NECA, no qual foi realizada uma Oficina intitulada: “Todo cuidador deve receber apoio, atenção, formação e ajuda em sua tarefa do bem cuidar” pelo Instituto Fazendo História. A equipe de formação do Instituto, composta pela coordenadora e técnica do Programa, Tatiana Barile e Fernanda Cocitta foi quem realizou a Oficina.

Tatiana Barile iniciou a Oficina, convidando os participantes a realizarem uma dinâmica de apresentação para mapeamento do grupo. Na ocasião havia 40 participantes, tanto homens quanto mulheres, de cargos bem variados (educadores, técnicos, gestores e presidentes de instituições mantenedoras e SAICAS), com formações variáveis nas áreas humanas e sociais (prevalência por assistentes sociais, psicólogos e pedagogos). Foram identificados participantes oriundos de diversas regiões do país, compondo 9 Estados e mais de 20 Municípios, além de estrangeiros.

Após o primeiro momento de identificação e integração, o grupo participou de uma atividade de design thinking, na qual cada um contribuía com uma palavra que representasse as seguintes questões norteadoras:

– O que é cuidado?

– O que é cuidado com as crianças e adolescentes?

– O que é cuidado com os educadores?

A partir destas questões e das contribuições do grupo, formou-se um grande painel no qual as palavras foram agrupadas, formando um grande diagnóstico sobre o tema cuidado. No que diz respeito ao cuidado, ficou claro que cuidado passa pelo afeto, amor, carinho, estar atento ao outro, respeitar o outro, oferecer suporte, empatia, proteção, singularidade, liberdade, honestidade, encontro e limites. Dentre estas palavras as que tiveram grande destaque foram o amor e atenção, que apareceram muitas vezes.

No que diz respeito aos cuidados com crianças e adolescentes, o grupo trouxe: segurança, compromisso, confiança, direcionamento, compreensão, acolhimento, garantia de direitos, disponibilidade, individualidade, atenção, olhar, colo, desafio, amor, respeito, acolher sem estigmatizar, proteção e referência. Nesta categoria, aspalavras que apareceram com maior frequência foram: proteção, escuta e respeito.

Na categoria de cuidados com educadores, o grupo entende que sentem-se cuidados quando: são escutados, tem o suporte técnico para o acolhimento adequado,  acolhidos e amparados pela equipe técnica e coordenação em seus desafios (suporte), informação e conhecimento, quando são respeitados, possuem apoio, direcionamento, amor, olhar, segurança, formação continuada, capacitação e escuta sendo estas, as palavras que apresentaram grande representatividade nesta categoria.

Após a realização desta atividade inicial, o grupo foi convidado a seguir na Oficina através de 4 grupos que pudessem discutir 4 temas, a partir de aspectos positivos negativos e possíveis estratégias, através da metodologia de world café, na qual todos os participantes teriam a possibilidade de contribuir com todos os temas. Os quatro temas discutido foram:

– Seleção de educadores;

– Organização da rotina;

– Histórias pessoais;

– Reuniões de equipe, formação e supervisão;

SELEÇÃO DE EDUCADORES

No que diz respeito à seleção de educadores, os aspectos negativos foram:

– Falta de profissionais qualificados;

– Falta de critérios na seleção (muitas indicações sem perfil);

– Baixos salários;

– Ausência de plano de carreira;

– Alta rotatividade;

Os aspectos positivos foram:

– Divulgação em sites e redes sociais;

– Parcerias com universidades;

– Recursos metodológicos específicos;

– Perfis bem definidos;

– Capacitação e valorização profissional;

Com relação às estratégias sugeridas sobre a seleção de educadores, o grupo trouxe:

– Informações claras sobre as atribuições do cargo desde o início do processo seletivo;

– Desenvolver um passo a passo para inserção do educador no cotidiano;

– Realizar processos formativos dos profissionais;

– Melhorar condições de trabalho (salário, carga horária);

ORGANIZAÇÃO DA ROTINA

No que diz respeito à organização da rotina, os aspectos negativos foram:

– Diferenças de perfis e concepções de trabalho;

– Rotatividade da equipe;

– Dúvidas sobre com fazer;

– Rotina estabelecida sem considerar as singularidades das crianças;

– Prática mecanicista sem reflexão;

– Divergências entre os PIAs e a rotina;

No que diz respeito à organização da rotina, os aspectos positivos foram:

– Alinhamento na equipe;

– Participação dos acolhidos na construção da rotina;

– Momentos de escuta/supervisão;

– Construção da autonomia/co-responsabilidade;

– Estabelecimento de rotinas internas e externas ao serviço;

Com relação às estratégias sugeridas sobre a organização da rotina, o grupo trouxe:

– Estabelecê-la de acordo com as necessidades dos acolhidos;

– Identificação de recursos para a execução da mesma;

– Estabelecimento de comunicação entre todos os educadores e parceiros envolvidos;

– Ordenar prioridades;

– Contemplar atividades pedagógicas na rotina;

HISTÓRIAS PESSOAIS

No que diz respeito às histórias pessoais, os aspectos negativos foram:

– Falta de sensibilidade e exposição das crianças;

– Superproteção/ Identificação dos educadores com as crianças;

– Revitimização;

– Fragilização do educador;

– Falta de suporte técnico e de auto-conhecimento;

No que diz respeito às histórias pessoais, os aspectos positivos foram:

– O conhecimento da história possibilita melhor acolhimento da criança e adolescente;

– Empatia/ motivação;

– Relação de confiança e aproximação entre crianças e educadores;

– Identificação com o trabalho/sensibilização sobre o papel do educador;

– Novas possibilidades de atuação com as crianças e adolescentes;

Com relação às estratégias sugeridas sobre as histórias pessoais, o grupo trouxe:

– Realizar capacitação e supervisão continuada com toda equipe;

– Aprimorar a seleção de profissionais para atuação neste contexto;

– Ampliar repertório e qualidade de vida das crianças acolhidas;

– Aumentar a remuneração dos profissionais para melhorar a qualidade do trabalho com as histórias de vida;

REUNIÕES DE EQUIPE, FORMAÇÃO E SUPERVISÃO

No que diz respeito às reuniões de equipe, formação e supervisão, os aspectos negativos foram:

– Dificuldade para reunir toda equipe (carga horária);

– Encontros muito hierarquizados;

– Distanciamento de diferentes saberes;

– Descontinuidade de acordos e combinados;

No que diz respeito às reuniões de equipe, formação e supervisão, os aspectos positivos foram:

– Reuniões sistemáticas para discussões de caso;

– Formação continuada: mais conhecimento, motivação, diálogo e interação na equipe;

– Supervisão interna (equipe técnica) e externa (profissional especializado);

Com relação às estratégias sugeridas sobre as reuniões de equipe, formação e supervisão, o grupo trouxe:

– Concurso público;

– Formação horizontal;

– Banco de horas para facilitar a participação de todos;

– Capacitação para todos;

– Valorização de saberes da equipe (escuta e fala);

Ao final das apresentações dos quatro grupos, o grupo ressaltou a importância do cuidado com o cuidador como maneira de potencializar a qualidade no atendimento de crianças e adolescentes acolhidos, desde a seleção adequada de profissionais ao constante apoio e aprimoramento profissional de toda equipe. Ficou claro que existem profissionais com muita clareza e comprometimento com seus papéis profissionais, porém, em decorrência de condições precárias de trabalho, como os salários dos profissionais, e o baixo investimento em formação, capacitação e supervisão, o trabalho acaba por ficar fragilizado.

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Sistematização OFICINAS: "Sexualidade na infância e adolescência"

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Sistematização OFICINAS: "Sexualidade na infância e adolescência"

No dia 29 de agosto de 2015, foi realizada a oficina Sexualidade na infância e adolescência, com a presença dos especialistas Renata Guarido e Raul Araújo.

Renata iniciou o encontro trazendo um panorama do desenvolvimento da sexualidade humana. Segundo ela, costumamos pensar em sexualidade somente como o ato sexual. Assim, quando nos deparamos com uma situação relacionada à sexualidade na infância, imaginamos que é algo que veio de fora, alguém estimulou (como se a expressão da sexualidade não pudesse partir da criança).

Renata faz uma diferenciação da sexualidade nos humanos e nos animais. Para os animais a sexualidade é instintiva e acontece somente no momento da reprodução. Após o ato sexual, a satisfação é completa e volta a acontecer somente no próximo período reprodutivo.

A sexualidade humana não é instintiva – ela é construída e é algo que se organiza durante toda a vida, desde o nascimento. Pode ser estimulada de diversas formas, como por exemplo uma música, um cheiro, uma atividade. Também diferentemente dos animais, a excitação não termina e não está ligada somente à função reprodutiva – ela pode ter as mais diversas formas.

Sexualidade é aquilo ligado às experiências prazerosas e o corpo é o lugar onde o prazer acontece, um espaço erotizado. O prazer é algo construído durante a vida, a partir das relações que estabelecemos com os outros. O prazer é, então, algo que se inscreve e deixa rastros.

O prazer no corpo é algo que acontece desde primeira infância. Por exemplo, um bebê, mama não somente para obter o alimento, mas pelo prazer que tem em “chupetar”. Em outros exemplos, como na hora do banho, o prazer não vem somente pela satisfação da necessidade, mas pelo toque no corpo que as atividades de cuidado envolvem. Assim, quando cuidamos, estamos, ao mesmo tempo que satisfazendo necessidades, erotizando o corpo. O corpo é, portanto, uma região marcada pelo prazer – uma superfície de prazer – resultado do encontro com um outro.

O erotismo se manifesta de formas diferentes na infância, adolescência e na vida adulta. O encontro do corpo de crianças com adultos, que não seja da ordem do cuidado, para a criança é abusivo. Se o encontro for entre crianças, não pode ser considerado da ordem do abuso, mas sim da sexualidade infantil.

Sexualidade na infância é um conjunto de acontecimentos prazerosos, mas não definidos. Excitação, para a criança, é algo global – acontece e toma o corpo todo, não é circunscrita a uma região específica. Não é possível acontecer o ato sexual na infância, pois o corpo não está preparado para isso – não existe orgasmo na infância. Não há também, na infância, escolha sexual – tanto faz se é o outro é um corpo de menino ou menina, pois a criança está centrada nas experiência do próprio corpo. Hetero e homossexual são, portanto, definição que ocorrem somente na adolescência.

Sexualidade na adolescência não tem muita diferença da sexualidade na vida adulta. É na adolescência, a partir da puberdade,  que o corpo passa a estar pronto para viver o ato sexual. Adolescência é um acontecimento subjetivo (pode ser diferente nas diversas culturas) e a puberdade é um acontecimento biológico, que envolve hormônios e mudanças corporais.

A sexualidade é algo absolutamente singular – é construída na história de um sujeito, dos encontros do seu corpo com o corpo dos outros. Um mesmo acontecimento é vivido por pessoas diferentes de forma diferentes. Por exemplo, nos diferentes tempos históricos, o significado que se dá à sexualidade na infância ou a homossexualidade pode ser totalmente diverso.

Renata conclui sua fala trazendo esta importante ideia do olhar para a singularidade e contexto de cada sujeito. Costumamos olhar para as situações a partir das nossas histórias, do que vivemos e muitas vezes não corresponde ao que está acontecendo em outra realidade.

Raul Araújo, em seguida à fala de Renata, traz a questão da sexualidade na perspectiva do direito. Como lidamos com a questão da norma – o que é certo errado, justo ou injusto – quando falamos sobre sexualidade no serviço de acolhimento? Raul resgata a origem do ECA, na Constituição Federal de 1988, quando a criança e o adolescente aparecem pela primeira vez como sujeito de direitos. Segundo ele, os direitos das crianças e adolescentes são ainda algo novo e contestado, pois até 1990 a legislação vigente era o Código de Menores, que previa a intervenção do Estado e não firmava direitos. Algumas pessoas dizem que as crianças e adolescentes tem muitos direitos e não deveres, que não são punidos. Segundo Raul, os serviços de acolhimento têm uma forte ligação com questões ligadas à sexualidade, pois em sua origem, nos antigos orfanatos, escondiam a vergonha dos filhos fora do casamento, que escancaravam a sexualidade da mulher e a repressão desta sexualidade.

Raul traz a ideia dos Direitos Sexuais e Reprodutivos. Segundo ele, durante a construção do Plano Nacional de Direitos Sexuais e Reprodutivos, este plano transformou-se no Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra à Criança e o Adolescente, o demonstra uma dificuldade em entender as crianças e adolescentes como sujeitos de direitos.

Os direitos sexuais e reprodutivos são:

  • Direito de viver e expressar livremente a sexualidade sem vio­lência, discriminações e imposições e com respeito pleno pelo corpo do(a) parceiro(a).
  • Direito de escolher o(a) parceiro(a) sexual.
  • Direito de viver plenamente a sexualidade sem medo, vergo­nha, culpa e falsas crenças.
  • Direito de escolher se quer ou não quer ter relação sexual.
  • Direito de viver a sexualidade independentemente de estado civil, idade ou condição física.
  • Direito de ter relação sexual independente da reprodução.
  • Direito de expressar livremente sua orientação sexual: heteros­sexualidade, homossexualidade, bissexualidade, entre outras.
  • Direito à informação e à educação sexual e reprodutiva.
  • Direito ao sexo seguro para prevenção da gravidez indesejada e de DST/HIV/AIDS.
  • Direito aos serviços de saúde que garantam privacidade, sigilo e atendimento de qualidade e sem discriminação.
  • Direito das pessoas de decidi­rem, de forma livre e responsá­vel, se querem ou não ter filhos, quantos filhos desejam ter e em que momento de suas vidas.
  • Direito a informações, meios, métodos e técnicas para ter ou não ter filhos.
  • Direito de exercer a sexuali­dade e a reprodução livre de discriminação, imposição e vio­lência.

Afirma-se, portanto, o direito a ter prazer e desenvolver sua sexualidade de forma saudável– independentemente da condição da criança ou adolescente.

Segundo Raul, muitas vezes as experiências ligadas à sexualidade, prazer e afetos são reprimidas e, por vezes, punidas – marcando na história da criança a ideia de que a sexualidade é algo errado e ligado à transgressão. O Abrigo é o lugar onde muitas vezes estão sofrendo por conta dos rompimentos e da falta do contato afetivo e, por vezes, justamente quando conseguem se vincular (quando começam a namorar por exemplo), essa atitude é controlada e reprimida.

A partir das falas dos dois especialistas, considerando as manifestações das sexualidades existentes nas diferentes faixas etárias, o grupo foi convidado a refletir sobre: Que histórias de prazer e relação com os próprios corpos as crianças e adolescentes estão construindo a partir dessas vivencias nos serviços? As crianças e adolescentes tem estes direitos garantidos nos serviços de acolhimento? Como organizar espaços e ações que promovam a oportunidade do desenvolvimento da sexualidade e prazer de forma saudável?

Para assistir aos melhores vídeos sobre o tema, acesse o link:

https://www.youtube.com/watch?v=Mt9HgzPrGPE&list=PLnXe9VZ1ye9z7oGmuycVDXhzwSIEGpRCb

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OFICINA:  “Agressividade e Limites: Como lidar?"

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OFICINA: “Agressividade e Limites: Como lidar?"

No dia 23/05/15, foi realizada no Colméia a Oficina: “Agressividade e Limites: Um desafio para toda equipe,  com a participação dos especialistas: Raul Araújo e Mila Motomura. Raul é psicólogo e atua na garantia de direitos de crianças e adolescentes há mais de 10 anos. Mila é psicóloga de formação e atua com facilitação gráfica há mais de seis anos. Atualmente é coordenadora de facilitação gráfica na Moom.

Qual a diferença entre crianças e adolescentes? O contexto do acolhimento interfere nesta concepção?

A Oficina teve como proposta trabalhar o tema agressividade de maneira participativa e lúdica, a partir da metodologia do teatro do oprimido.

Raul propôs ao grupo uma rodada de apresentação com nome, função no serviço onde atua, e o que mais gosta e não gosta no cotidiano dos serviços. Foi uma rodada importante para se familiarizar com o perfil do grupo e validar junto a ele as interferências destas habilidades e percepções, na relação com as crianças e adolescentes acolhidos.

Na sequência, Raul pediu ao grupo para compartilhar suas concepções e especificidades sobre criança e adolescência. No que diz respeito à concepção de criança, o grupo relatou as seguintes características: dependência (necessita de proteção), época específica do desenvolvimento, espontaneidade, inocência, curiosidade... No que tange a concepção de adolescentes, o grupo trouxe: não precisam tanto dos adultos, testam limites, são mais autônomos, são contestadores, têm dificuldades em lidar com frustração e são “sexualizados”.  Após esta primeira explanação sobre os conceitos de crianças e adolescentes, Raul indagou ao grupo: As crianças e adolescentes acolhidos são diferentes? Qual é o contexto em que estão inseridas?

O grupo trouxe importantes contribuições para as discussões, à medida que foram confrontando suas concepções sobre os conceitos de crianças e adolescentes, bem como as especificidades do desenvolvimento de cada faixa etária. Além disso, a contextualização de que estas crianças e adolescentes estão acolhidos, foi dando um contorno importante para a compreensão dos mesmos como sujeitos, com suas especificidades e histórias.

Neste sentido, Raul fez uma leitura histórica sobre a concepção de crianças e adolescentes, bem como das instituições que realizavam o papel social dos serviços de acolhimento. Além do apanhado histórico sobre as diferentes concepções de crianças, adolescentes, famílias e as instituições, foram propostas ao grupo refletir sobre: De que casa estamos falando? Quais são as características dos serviços?

Os serviços de acolhimento possuem um caráter excepcional e provisório na proteção e promoção dos direitos das crianças e adolescentes, mas não é a casa onde as crianças e adolescentes viveram e gostariam de estar com suas famílias. Esta questão é fundamental considerar, pois traz importantes impactos emocionais para as crianças e adolescentes, que muitas vezes expressam sentimentos como raiva e tristeza pela agressividade. Neste sentido, Raul contextualizou a questão das regras na rotina da casa, como um grande desafio, considerando que cada criança e adolescente vem de um contexto particular de regras. Raul reforça o fato de que mesmo as crianças e adolescentes que moravam na rua possuem suas próprias regras.

Como lidar com as diferentes concepções de regras e a construção de novas, de maneira que contribuam para um bom convívio na casa? A criação de regras e estabelecimento de limites é um tem realmente desafiador para todas as equipes. Será que existe uma fórmula passível de aplicação em todos os serviços?

Raul convida o grupo a considerar todos estes aspectos presentes nas histórias das crianças e adolescentes: rupturas, violações de direitos, indefinições, incompreensões, falta de acolhimento, tristeza, raiva, entre outras emoções e possibilitar espaços de expressão e não contenção. Se considerarmos a agressividade como algo superficial de questões mais profundas, talvez seja possível apoiar as crianças e adolescentes na elaboração de suas angústias. No entanto, se a equipe não consegue reconhecer essas questões e entender que a imposição de regras é a única possibilidade de relação, certamente não contribuirá para o desenvolvimento das crianças e adolescentes neste sentido.

As regras e limites são importantes para todas as crianças e adolescentes, e no contexto do acolhimento, a construção das regras e limites, assim como outras construções de acordos, devem ser realizadas de maneira coletiva, com a participação de todos.

Aquecimento para as cenas...

Raul propôs ao grupo que pensassem em algum caso desafiador para iniciar o aquecimento para o teatro do oprimido. Foram realizadas atividades de identificação e reprodução de gestos relativos às cenas de agressividade que foram vivenciadas por eles. Ao final do aquecimento, 8 grupos foram divididos para representarem uma cena. Após a representação, o grupo compartilhou o episódio e deu um nome para ela. As cenas intituladas foram: Raízes, Agressividade, Flexibilizar o regulamento, Infância frustrada, De quem é a culpa?; Sem saída; Qual é o meu lugar; Eu existo.

De um modo geral, as cenas e expressaram de maneira impactante experiências reais vividas pelas equipes. Foi um importante momento de revisão de possibilidades de percepção, compreensão e intervenção para as equipes.

Ao final das apresentações, Raul realizou uma plenária de fechamento sobre as experiências vividas e as possibilidades de novos olhares e atuações diante das expressões de agressividade das crianças e adolescentes acolhidos.

Durante todo o encontro, Mila produziu painéis gráficos com os conteúdos trazidos pelo grupo. O último painel continha uma frase que convida a todos os participantes a compreenderem a agressividade de maneira mais ampla: “ Do rio que tudo arrasta o chamam de violento...Mas ninguém chama de violentas as margens que o aprisionam”. (Bertold Brecht).

Para assistir aos melhores momentos da Oficina, acesse o link:

https://www.youtube.com/watch?v=OD4Z5hh4yds&list=PLnXe9VZ1ye9wbBRi1_g4aJ8saB19NEA0K

 

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