OFICINA – Adolescentes em Medida Socioeducativa

OFICINA – Adolescentes em Medida Socioeducativa

No dia 24 de agosto de 2023, o Instituto Fazendo História realizou a segunda oficina presencial do Projeto Formação Profissional para o Trabalho com Jovens, com o apoio do FUMCAD (Fundo Municipal da Criança e do Adolescente), no Instituto Pólis. Com o tema “Adolescentes em medida socioeducativa”, o encontro foi direcionado aos profissionais que atuam nos Serviços de Acolhimento e também a outros atores da Rede Socioassistencial e do Sistema de Garantia de Direitos da Cidade de São Paulo. 

A oficina contou com a participação de Ricardo Rentes, Psicólogo, Psicanalista, Mestre em Ciências Humanas, Sociais e Criminologia pela UFP do Porto – Portugal, Professor dos Cursos de Especialização em Psicanálise Winnicottiana e em Saúde Mental e Saúde Coletiva, ambos pela Universidade Cruzeiro do Sul, e do Curso de Especialização em Psicologia Jurídica pela Universidade São Camilo. Ele atua também como Supervisor nas áreas de Saúde Mental e Assistência Social e é autor do livro: “Os Meninos de Heliópolis - O ser e fazer de adolescentes em conflito com a lei e a sintomática criminal”. 

Ricardo inicia sua fala fazendo o convite para que todos os presentes pudessem “alcançar o rosto dos meninos e meninas em conflito com a lei”, os quais se encontram, em função do fenômeno criminal, dentro de um serviço de medida socioeducativa. Propõe um percurso de aproximação de suas vivências, marcas e manifestações e de diálogo com aquilo que ocorre a partir dos olhos desses adolescentes, em um encontro cheio de intenção e direção para o trabalho. 

O especialista pontua como, a partir dos 12 anos de idade, o adolescente que cometer um ato que vai contra as normas sociais de convivência é enquadrado como infrator e terá 6 possibilidades de medidas socioeducativas, as quais podem ser desde uma advertência, até a internação, situação de privação de sua liberdade. E que a gravidade desta é marcada por um recorte étnico, social e econômico, de modo que aos mais pobres, periféricos e pretos são reservadas as medidas mais severas. Ele aborda, a partir da apresentação de suas experiências profissionais, como dentro dos Serviços de Acolhimento podemos identificar traços, tais quais embates com colegas, posturas desafiadoras e uso abusivo de substâncias, que podem ser potenciais para o desenvolvimento da criminalidade e de uma vivência posterior em ato infracional, mas que têm algo em comum: uma busca por algo que lhe é de direito.

A partir daí, Ricardo propõe que se olhe para o ato infracional, tido como antissocial, como uma manifestação sintomática, ou seja, um gesto que está dizendo algo. E sugere uma questão para direcionar o olhar: o que esse adolescente quer dizer com aquele tipo de postura? Dialoga, então, com as bases teóricas de Winnicott, um grande pensador da história da Psicanálise que estudou de maneira profunda esse fenômeno, partindo de sua etiologia, de como e porque ele nasce e se desenvolve. Winnicott parte da observação das manifestações de crianças evacuadas de Londres, na segunda Guerra Mundial, as quais tiveram um rompimento abrupto de seus vínculos familiares, sociais e comunitários, para a construção de sua Teoria da Tendência Antissocial. Ele desenvolve a percepção de como a unidade familiar proporciona uma segurança indispensável à criança e a sua ausência ou rompimento pode trazer efeitos ao desenvolvimento emocional e acarretar danos à sua personalidade. 

No decorrer do encontro, Ricardo traça paralelos entre essa teoria e a situação de acolhimento: com essa medida, o senso de pertencimento da criança ou adolescente é abruptamente rompido e há necessidade interna de realinhar emocionalmente seu funcionamento para sobreviver nessa realidade, nova e estranha, numa perspectiva coletiva e num lugar ainda de invisibilidade para a individualidade, característica do modelo institucional. Ele aborda como o entrar em uma instituição já é um convite ao adoecimento, por melhores que sejam suas condições: parte-se de uma situação traumática e de violência, com o rompimento do vínculo familiar, que mesmo que considerado tóxico para a criança ou adolescente, faz parte de sua constituição.

Essa perspectiva acompanha todo o caminho percorrido pelo convidado na oficina, norteando o olhar para as crianças e adolescentes institucionalizados e que apresentam sintomas de tendência antissocial. Ele traz como precisamos considerar que, nesses casos, a pessoa tinha algo que, para bem ou mal, a estruturava e a sustentava no mundo e por algum motivo isso é perdido, e que os sintomas aparecem como forma de sinalizar que tem algo errado acontecendo. Reforça, trazendo casos de suas vivências profissionais, como é necessário dar espaço para que os sentimentos de raiva e a sua agressividade apareçam, em um ambiente seguro e que sobreviva a essa destrutividade, oferecendo também contornos, continência e limites. Ao contrário, um ambiente repressor embota e convida a criança ou adolescente à não existência. 

Durante sua fala, Ricardo vai acolhendo e dialogando com as questões e relatos dos participantes, acerca de suas experiências, envolvendo, entre outros assuntos, o papel da escola no olhar para adolescentes em conflito com a lei, a relação com o sistema judiciário, o lugar da família, o fenômeno de patologização de adolescentes e as possibilidades de atuação profissional: como sustentar o investimento em um adolescente onde se vê poucas perspectivas de rompimento com a lógica infracional? 

Ele também atenta para a importância de criar espaços seguros para que a criança ou adolescente possa dizer o que representa para ele essa família, para que o profissional compreenda do que ele foi separado, que envolve outras representações internas possíveis da mãe ou do pai, para além da versão que violou direitos. E que um dos principais pontos da teoria antissocial é o fator esperança e o perigo de a criança ou adolescente perder a esperança de resgatar aquilo que foi perdido. Muitas vezes, o gesto infracional indica que a esperança de recuperar algo que lhe é de direito ainda existe, mesmo que o caminho que encontra para demonstrar isso não seja socialmente bacana e aceitável. Ele reforça que, enquanto profissional, é preciso ter clareza que não se pode mudar o mundo, mas sim identificar algumas questões e direcioná-las, reconhecendo o outro e sua história, para que ele também possa se enxergar. 

Ricardo finaliza apresentando as principais intervenções, resultados e descobertas de sua pesquisa-ação com adolescentes em conflito com a lei em Heliópolis, na qual analisa histórias e desenhos construídos por eles e que deu origem ao seu livro. Ele relata, a partir de falas desses adolescentes, como o crime, muitas vezes, é visto como a única maneira que eles encontram de ingressar no universo urbano e que é necessário se criar oportunidades e alternativas para que não precisem infracionar para que se sintam parte da cidade. Ele encerra a oficina, fazendo a leitura de um poema e, mais uma vez, trazendo a voz desses meninos e meninas.

Confira o vídeo com a oficina completa: clique aqui. 


 OFICINA: Os Desafios Da Atualidade No Trabalho com a Adolescência

OFICINA: Os Desafios Da Atualidade No Trabalho com a Adolescência

No dia 26 de julho de 2023, o Instituto Fazendo História realizou a primeira oficina do Projeto Formação Profissional para o Trabalho com Jovens, com o apoio do FUMCAD (Fundo Municipal da Criança e do Adolescente), no Instituto Pólis. Com o tema “Os Desafios da Atualidade no Trabalho com a Adolescência”, o encontro foi direcionado aos profissionais que atuam nos Serviços de Acolhimento e também a outros atores da Rede Socioassistencial e do Sistema de Garantia de Direitos da Cidade de São Paulo.

O Instituto Fazendo História teve a honra de convidar o educador social, Rafael Parente Sá Martins, para conduzir esse encontro enriquecedor. Rafael é graduado em história e especialista em Juventude no Mundo Contemporâneo e Gestão e Planejamento de Processos Pastorais e Pedagógicos. Além disso, ele é assessor da Tocando em Frente Assessorias, onde acompanha o trabalho de organizações sociais que atuam com crianças e adolescentes na cidade de São Paulo. Rafael também desempenha um papel fundamental como indigenista junto aos povos indígenas do estado de São Paulo.

O encontro foi marcado por uma abertura que visou alinhar as expectativas junto aos profissionais dos serviços da rede socioassistencial. Rafael destacou a importância de compreendermos o Estatuto da Criança e do Adolescente. O ECA estabelece que consideramos como crianças aqueles com até 12 anos, enquanto o termo adolescente abrange indivíduos de 13 a 17 anos. No entanto, Rafael chamou a atenção para uma perspectiva mais ampla ao mencionar o Estatuto da Juventude, que define como jovens as pessoas de 15 a 29 anos. Nesse contexto, ele provocou uma reflexão mais profunda, concentrando-se especialmente no público de 15 a 17 anos, faixa etária na qual os profissionais muitas vezes enfrentam desafios mais significativos.

Durante a oficina, Rafael provocou reflexões profundas sobre a sociedade e suas visões em relação à adolescência:

  • Visão da Juventude como Biológica: A puberdade é o foco.

  • Visão da Juventude como Transição: Uma fase de transição da infância para a vida adulta.

  • Visão da Juventude como Problema: A sociedade tende a culpar os jovens pelos problemas.

  • Visão da Juventude como Solução: A projeção de responsabilidades em um mundo ideal.

Ele ressaltou que a adolescência é um conceito criado pela sociedade e é uma categoria social marcada por processos de desenvolvimento, inserção social e definição de identidades, o que exige experimentação intensa em diversas esferas da vida.

Rafael também compartilhou um estudo que coloca os adolescentes como uma "lupa" da sociedade, tornando os problemas sociais mais evidentes na juventude, como o desafio da drogadição. No entanto, ele provocou os participantes a repensar o tema da oficina, originalmente divulgado como "Os Desafios da Adolescência na Atualidade". A conclusão foi que os desafios não estão nos adolescentes, mas sim em nossa capacidade geracional de lidar com as adolescências. São esses conflitos que moldam o mundo.

Rafael traz uma reflexão sobre o artigo 101 da eca, onde é da ênfase que é uma política de proteção, mostrando que existem crianças que estão no Saica de uma forma punitiva, e na protetiva. Rafael continua trazendo um olhar sobre as mudanças que a lei da adoção 12.010 trouxe como deve ser o acolhimento institucional. Rafael aproveita para trazer um pouco de como eram os serviços antes das suas regulamentações, demonstrando como as instituições totais ou orfanatos se organizavam de forma desumanizada. Não sendo uma compreensão de uma ação de políticas públicas para proteger o adolescente, mas sim um sistema de abrigamento de acolhimento institucional que vem criminalizando a pobreza, ou a questão de saúde mental, ou de drogadição, não entendendo que muitas vezes o trabalho tem que ser feito no território com outras políticas públicas.

Para finalizar nosso encontro, Rafael propõe uma dinâmica com objetivos de trabalhar questões que marcam o trabalho com os adolescentes de hoje e para provocar um tanto das nossas fantasias, Rafael compartilha o trabalho do fotógrafo James Mollison que viajou o mundo fazendo registros de onde algumas crianças dormem. 

Confira o vídeo com a oficina completa: clique aqui

OFICINA– Preparação de Adolescentes para o Desacolhimento por Maioridade

OFICINA– Preparação de Adolescentes para o Desacolhimento por Maioridade

No mês de setembro de 2023 o Instituto Fazendo História, em parceria com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONDECA) – SP, realizou a oficina: “ Preparação de adolescentes para o desacolhimento por maioridade” nas cidades de Guarulhos e Campinas.

Foram convidados os profissionais Vagner Souza, educador popular, que desde 2003 atua com crianças e adolescentes, e Sidnei das Neves, psicólogo e cofundador do Coletivo Cultural Poesia na Brasa.

Os profissionais deram início ao encontro com a reflexão de que os Serviços de Acolhimento atualmente devem garantir além dos direitos essenciais, também o direito de ser Criança e Adolescente.

Questionaram como as equipes podem acolher e legitimar os sentimentos, angústias, medos, frustrações e dores de adolescentes em uma cultura de institucionalização, onde os adolescentes são reordenados de um serviço para o outro, sem que estabeleçam qualquer vínculo com qualquer equipe.

Outro ponto mencionado por Vagner é o sentimento de culpa que os adolescentes têm pelo motivo do acolhimento. É necessário que todos os profissionais do serviço tenham um olhar atento e crítico para que o discurso de culpabilização quase sempre já atribuído às famílias de origem, não seja também reproduzido para as crianças e adolescentes, uma vez que as legislações dizem que a proteção é dever do Estado, da família e sociedade.

Sidnei dá seguimento à oficina indicando que as histórias de crianças e adolescentes não se iniciam a partir do acolhimento, mas são uma parte dela.

Segundo ele, algumas experiências que foram importantes no trabalho com desacolhimento por maioridade foram ouvir e compartilhar com os adolescentes as experiências de jovens que já estavam desacolhidos.

Os profissionais compartilharam que é importante pensar os adolescentes como produtores de soluções (e não só de problemas), incluindo-os nas decisões do que acontece no serviço (com a mediação dos

trabalhadores): manutenção do espaço e organização da rotina. Isso é importante para a construção de identidade e autonomia.

Vagner enfatiza que a autonomia é sobre o poder de escolha, não apenas sobre ter uma quantia de dinheiro guardado. Isso só é possível através do aumento do repertório - do acesso a lugares e outras culturas - ampliando assim as possibilidades de escolhas.

Os profissionais encerraram a oficina com o exemplo prático de jovens que, ao completar a maioridade, decidiram morar juntos em comunidades, uma vez que já havia a convivência entre eles. Dessa forma, esses jovens se organizavam de forma coletiva e cada um colaborava da forma em que era possível. Enfatizam que não há uma receita ou fórmula para este trabalho, pois há ainda casos mais complexos que necessitam ser pensados em outros encaminhamentos e estratégias.

Vagner Souza é Analista Institucional e Educador Popular. Desde 2003 atua com crianças e adolescentes em diversos serviços, tais como: SAICA, SMSE, entre outros. Desde 2011, desenvolve trabalhos de formação e supervisão institucional para profissionais do sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes.

Sidnei das Neves é Psicólogo, Gerente do SPVV Claret II Brasilândia, Terapeuta Comunitário, Produtor Cultural, Poeta, Escritor e Cofundador do Coletivo Cultural Poesia na Brasa.

Assista a oficina na íntegra: clique aqui.

OFICINA - O trabalho com grupos de irmãos no serviço de acolhimento.

OFICINA - O trabalho com grupos de irmãos no serviço de acolhimento.

No mês de agosto de 2023, o Instituto Fazendo História, em parceria com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONDECA) – SP, realizou a oficina: “ o trabalho com grupo de irmãos no serviço de acolhimento” nas cidades de Guarulhos e Campinas.

Tivemos como convidadas as profissionais Eliana Kawata, psicóloga judiciária chefe do Setor de Psicologia da Vara Central da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de SP e Deise Fernandes do Nascimento, Mestra e Doutora em Educação e Saúde na Infância e Adolescência, pela UNIFESP.

Eliana deu início ao encontro apresentando aspectos históricos do acolhimento a partir do Código de Menores, Constituição Federal e Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Falou sobre a Avaliação e atualização do Plano Nacional de Convivência Familiar 2019 e destacou as 3 categorias analíticas que foram utilizadas para avaliar os Serviços, por exemplo: como estavam mantendo os vínculos familiares; como estavam trabalhando o fortalecimento de vínculos parentais e familiares e como eles mantêm os vínculos comunitários. Indicou as ações da política de atendimento estabelecidas pelo ECA, ressaltando a importância de estimular o acolhimento de irmãos e realizar campanhas de adoção de grupo de irmãos de maneira conjunta. Destacou que, diante de adversidades, o grupo que nos é familiar proporciona conforto, de modo que os sujeitos possam vivenciar situações difíceis como a de acolhimento. Mencionou que, em casos de adoção, a manutenção de grupos de irmãos tem sido muito efetiva, falou sobre os desafios em se encontrar famílias que adotem grupos de irmãos e também das dificuldade de se garantir a manutenção de contato após adoção.

A palestrante finalizou sua explanação indicando a importância de se manter os laços fraternos e a importância de haver consciência sobre isso. Aponta que temos tecnologia social para essa efetivação e reconhece que há um caminho longo a se percorrer de modo que possamos evitar tais rompimentos.

Deise dá seguimento na oficina indicando que sua explanação seria a partir do cotidiano de trabalho nos serviços de acolhimento. Após a leitura do poema “Verbo ser”, de Carlos Drummond de Andrade, a palestrante provoca o grupo a refletir sobre o sujeito criança e que, ao se trabalhar com grupos de irmãos, deve-se considerar a individualidade de cada criança e ou adolescente.

A profissional aborda o contexto histórico de modo breve, destacando a importância de considerarmos o recorte racial no trabalho, considerando que há desdobramentos do processo de colonização presente em práticas atuais. Sua fala também foi norteada a partir de documentos normativos para abordar a importância dos vínculos entre irmãos e família, dando ênfase no trabalho com grupo de  irmãos. Deise fez uso de vários exemplos e situações tidas como corriqueiras no atendimento de crianças e adolescentes para falar sobre: a importância da escuta empática e a não idealização das relações fraternas. Convidou os profissionais a revisitar suas memórias de situações vivenciadas por eles na relação com seus irmãos e como tais vivências podem atravessar o fazer deles no Serviço de acolhimento.

A profissional também compartilhou várias situações que podem potencializar a rivalidade e despertar sentimentos de inferioridade ou superioridade entre irmãos, bem como o tratamento de grupos fraternais, que muitas vezes não reconhece a individualidade de cada um. 

Finalizou sua explanação compartilhando casos e situações que apresentavam condições e estratégias possíveis para promover o fortalecimento do vínculo entre os irmãos.

Eliana Kawata é Psicóloga judiciária chefe do Setor de Psicologia da Vara Central da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de SP, graduada pela USP/SP, mestre em Psicologia Social pela PUC/SP, especialista na área de Violência Doméstica contra crianças e adolescentes pelo Laboratório de Estudos da Criança da USP/SP, especialista em Psicoterapia Breve Psicanalítica pelo Instituto Sedes Sapientiae.

Deise Fernandes do Nascimento é Assistente Social, Mestra e Doutora em Educação e Saúde na Infância e Adolescência, pela UNIFESP. Fundadora e Coordenadora Geral do Coletivo Círculo de Cultura.

Assista à oficina na íntegra: https://youtu.be/GrJdn1Y1XGI

OFICINA - O trabalho com famílias de origem

OFICINA - O trabalho com famílias de origem

No mês de julho de 2023, o Instituto Fazendo História, em parceria com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONDECA) – SP, realizou a oficina: “O trabalho com Famílias de Origem” na cidade de Guarulhos e Campinas. Tivemos como convidadas as profissionais: Gracielle Feitosa de Loiola, que atua nas áreas da assistência social e judiciária, mestre e doutora em Serviço Social pela PUC-SP, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Crianças e Adolescentes - NCA/SGD e autora do livro: Produção sociojurídica de famílias "incapazes": do discurso da "não aderência" ao direito à proteção social, editora CRV, 2020; e Thais Berberian, graduação e mestrado em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com experiência profissional na política de saúde e no sociojurídico. Os principais temas de pesquisa de Berberian são a judicialização das expressões da questão social, a criminalização da pobreza e provocações sobre o uso do conceito negligência face ao Estado de desproteção social.

As profissionais iniciaram a oficina com duas dinâmicas com o grupo de profissionais presentes e realizaram uma explanação compartilhada, articulando os conceitos teóricos, a experiência de pesquisas e situações cotidianas de suas práticas profissionais.

Iniciaram trazendo a importância da intencionalidade no trabalho com famílias de origem, que deve ser acompanhada da flexibilidade, uma vez que os casos nos Serviços de Acolhimento já chegam tipificados, a depender dos motivos dos acolhimentos. Thais e Gracielle também trouxeram a reflexão sobre os modelos de famílias que estão presentes no imaginário dos profissionais que as atendem. Além disso, apontaram que o reconhecimento de famílias plurais deve ser para além das legislações, ou seja, por todos os profissionais que compõem a rede de atendimento para que as compreensões subjetivas e individuais não atravessem a relação com o outro nos atendimentos às famílias de origem.

Imagem da atividade.

Afirmam que outro ponto importante a ser refletido sobre a prática profissional é a elaboração do PIA (Plano Individual de Atendimento), que deve ter planos e metas acessíveis e possíveis para as famílias na qual os serviços atendem. Dentro de tais reflexões, é importante considerar e compreender o contexto histórico e os atravessamentos de raça, gênero e classe e quais as dimensões disso.

Outro aspecto importante levantado pelas convidadas foi sobre a importância da escuta profissional e como será materializada na elaboração de relatórios. Pontos de vista, lugares e vivências podem trazer aos profissionais visões únicas do que é vínculo, proteção e cuidado, podendo assim interferir na elaboração de relatórios e pareceres.

Finalizaram a explanação com a consideração sobre vínculo e a confiança para que as famílias de origem possam contar suas histórias. Destacam a importância da escuta qualificada, crítica e fora da lógica de “reajustar” as famílias e para isso é relevante que a comunicação seja sempre ético política, ou seja, sem ameaças, mentiras e intimidações.


Assista à oficina na íntegra:

OFICINA - 13/07/2023 - O TRABALHO COM FAMÍLIAS DE ORIGEM - CONDECA GUARULHOS

OFICINA – Brincar como direito na infância e na adolescência

OFICINA – Brincar como direito na infância e na adolescência

Imagem da atividade.

No dia 19 de julho de 2023, o Instituto Fazendo História realizou a segunda oficina presencial do Projeto Capacitação em Serviços de Acolhimento, com o apoio do FUMCAD (Fundo Municipal da Criança e do Adolescente), no Instituto Pólis. Com o tema “Brincar como direito na infância e na adolescência”, o encontro foi direcionado aos profissionais que atuam nos Serviços de Acolhimento e também a outros atores da Rede Socioassistencial e do Sistema de Garantia de Direitos da Cidade de São Paulo.

A oficina contou com a participação de Minéia Oliveira, arte-educadora, brincante, mediadora literária e idealizadora do Coletivo Brincando na Kebrada, graduada em pedagogia pelo Instituto Singularidades; e também de Natália Santos, artista e educadora, atuante nas frentes de cultura popular integrando as performances e as poesias e compondo releituras para a sua realidade, formada em direito e pós graduada em ciências sociais pelo Consejo Latino Americano de Ciencias Sociales e educação social pelo SENAC.

As convidadas iniciaram trazendo a ideia de que nos constituímos como seres brincantes a partir das experiências pelas quais passamos e que esse encontro seria um espaço para trocar vivências, promover lugares de afeto e compartilhar a teoria na prática. Logo, todos foram convidados a levantar das cadeiras e participar de uma série de brincadeiras, envolvendo técnicas de alongamento e respiração, repetição de movimentos, exploração do corpo e ritmos a partir das músicas e do canto e, também, uma brincadeira afro diaspórica, na qual tinham que se organizar em grupos, seguindo comandos, para não deixar um bastão cair.

Entre as propostas, Minéia e Natália provocaram a reflexão sobre a importância de estarmos atentos aos movimentos e quais são os corpos com quem estamos partilhando saberes, de entender a origem das brincadeiras - que marcam como as vivenciamos - e de valorizar nelas tanto elementos cooperativos, quanto competitivos. Abordaram como precisamos reconhecer a realidade da qual fazemos parte, nos preparando tanto para a coletividade, quanto para a competitividade, desenvolvendo a capacidade de lidar com as frustrações e conflitos e identificando qual o jogo posto, por exemplo, para a entrada no mercado de trabalho.

Em um segundo momento, Minéia e Natália propuseram que os participantes se dividissem em grupos e dialogassem acerca de como seus corpos vivenciaram as brincadeiras. Elas sugeriram que trouxessem as inquietações a partir do lugar das crianças e adolescentes com os quais atuam, de como poderiam se sentir ao atravessar essas experiências: quem são esses corpos e como eles chegam até as equipes dos serviços? Por que os adolescentes muitas vezes não chegam? E nosso papel enquanto mediadores, não ensinando, mas proporcionando brincares e fazendo trocas brincantes?

Antes de partir para a discussão no grupo maior, as convidadas se apresentaram de forma mais aprofundada, narrando de onde vêm e quais são as histórias e as memórias que as constituem. Elas partem de suas trajetórias pessoais, familiares e ancestrais, dos lugares que foram ocupando e das pessoas que foram encontrando no caminho, principalmente uma rede de mulheres, para contar como foram se aproximando das infâncias e das comunidades e descobrindo e construindo diferentes pedagogias e formas de educar, no coletivo. Elas reforçaram a importância do acesso aos diferentes brincares e materiais e de ocupar espaços diversos, algo que é negado, principalmente às crianças e aos adolescentes negros.

Em seguida, retomando o que foi discutido nos pequenos grupos, Natália e Minéia sugeriram a construção de um mapa de afetos, no qual os participantes registraram em filipetas e apresentaram as principais questões identificadas no trabalho com os brincares e as infâncias e, também soluções coletivas para lidar com elas. Esse foi um momento muito rico do encontro, no qual muitas pessoas se colocaram, trazendo, além das experiências profissionais, vivências de suas infâncias, adolescências e da relação com a maternidade e paternidade, para contribuir com a elaboração do panorama.

Sobre os principais desafios, apareceram a consideração de que criança e que adolescentes são esses que chegam aos serviços de acolhimento, com seus corpos perpassados por histórias de violência, as quais, muitas vezes, marcam como reagem às situações de proximidade e toque nas brincadeiras, podendo sentir-se invadidos ou, mesmo, podendo reproduzi-las; a timidez como uma característica que pode dificultar o se soltar nas atividades; a definição das brincadeiras possíveis a partir do gênero, onde reproduzimos estereótipos; a crença em um tempo restrito e uma forma correta de brincar, a partir da perspectiva do adulto; como inserir o brincar na realidade de diversas infâncias, principalmente, quando a questão da sobrevivência está em jogo; e o uso das telas se sobressaindo às outras formas de brincar.

Em relação às alternativas levantadas pelos participantes, destacaram-se o brincar como oportunidade de ressignificar, de experienciar outras possibilidades, de permitir, de fato, a vivência da infância e da adolescência e, também, como um caminho de reeducação dos corpos adultos e de construção de novos padrões, mais diversos, inclusivos e saudáveis; a criação de espaços acolhedores e cuidados, onde as crianças e adolescentes se sintam bem-vindos, possam ser protagonistas, se identificar e se despertar para o brincar; a construção de outros repertórios e vivências para que as telas não sejam a principal possibilidade de diversão e centro da atenção; a abertura do adulto a escutar e compreender que criança e que adolescente são esses que chegam, o que já viveram, o que sabem e o que gostam, quebrando rótulos e invisibilidades; e a organização e pressão social para implementação de políticas públicas de qualidade que favoreçam as famílias e as diferentes infâncias.

O encontro finalizou com as convidadas trazendo a importância de espaços como esse, de poder soltar o corpo e despertar a criança que está dentro de cada um, e estimulando a darem continuidade, entre os serviços e nos territórios, ao que foi pensado e construído nessa manhã, já que é a partir do fortalecimento de redes que as mudanças se efetivam.

Confira o vídeo com a oficina completa:
OFICINA - 19/07/2023 - BRINCAR COMO DIREITO NA INF NCIA E ADOLESCÊNCIA - FUNCAD

Imagem de abertura: Patrícia Prudêncio via Unsplash.

Como podemos promover segurança emocional no contexto do acolhimento?

Como podemos promover segurança emocional no contexto do acolhimento?

Hoje é de amplo conhecimento que suprir apenas as necessidades fisiológicas do bebê (alimentação, sono, higiene) não é  suficiente para que ele tenha um bom desenvolvimento, pois além das necessidades básicas, é preciso muito afeto e vinculação emocional entre cuidador e bebê para que este possa crescer confiante e com autoestima.  É importante que o bebê - ou criança e adolescente - tenha um cuidador que o faça se sentir seguro e amado, e que também o incentive a ganhar autonomia e explorar o mundo.

Visando auxiliar cuidadores na reflexão do processo de vinculação com crianças, foi desenvolvido o conceito do Círculo de Segurança®. Seus autores Kent Hoffman, Glen Cooper e Bert Powell​ buscaram traduzir suas percepções clínicas e pesquisas de desenvolvimento  em protocolos diretos e acessíveis, para uso com famílias e pacientes adultos. Assim surgiu o Círculo de Segurança: um mapa visual para auxiliar em uma vinculação segura com as crianças. 

Para complementar o esquema, O Círculo da Segurança contribui também atribuindo  as seguintes orientações ao adulto de referência da criança: 

Sempre seja: "maior", mais forte, mais sábio e mais gentil.
*Sempre que possível: atenda as necessidade da criança.
Sempre que necessário: assuma o comando.

*A ideia de ser “maior” e mais forte não deve ser usada para validar que o cuidador ameace a criança, menor e mais fraca. Deve ser usada com a intenção de que ele possa garantir todos os cuidados e a proteção que a criança precisa para que se sinta segura. 

O Círculo da Segurança é composto por dois momentos: 

O movimento de SAIR da Base Segura, isto é: o movimento da criança de deixar a mãe, pai ou cuidador de referência para explorar o mundo, o ambiente.

O movimento de VOLTAR para o Refúgio Seguro, quando a criança precisa de ajuda, acolhimento, "recarregar as energias” e retornar para seu cuidador.  

A criança, tendo essa base segura garantida, pode sair para explorar o mundo, pois tem também a garantia da possibilidade de retorno a ela quando necessário. 

Neste primeiro movimento, em que a criança SAI para explorar, o papel do cuidador é de assisti-la descobrindo o ambiente, de ajudá-la quando for preciso, atento aos seus sinais quando precisar de ajuda, sem que se antecipe frente a criança ante qualquer desafio.

É muito importante que ele possa também desfrutar junto à criança suas descobertas e aventuras!

Com bebês, o movimento de sair para explorar o mundo pode ser engatinhar pela casa, descobrir e explorar móveis e objetos ou mesmo se permitir a ir para o colo de um outro adulto. Com crianças um pouco maiores, este movimento pode ser um simples ir para a escola, passar o dia na casa de uma família de apoio ou de um colega.

 Quando a criança se permite sair para explorar, é importante assegurá-la de seu sucesso e da garantia do seu retorno, pode-se sempre dizer para ela algo como: “Uau! Como você está corajoso! Estou muito orgulhoso e feliz! Você pode ir tranquilo, eu estarei aqui se você precisar de mim”. 

Já no movimento em que a criança VOLTA para o Refúgio Seguro, o papel do cuidador é de acolher e ajudar a criança a organizar e a regular suas emoções. É importante que o cuidador sempre felicite o retorno da criança, mostrando que ela é muito bem-vinda em seu refúgio quando precisar voltar.

Há alguns elementos que podem fazer com que a criança precise voltar para seu Refúgio Seguro, como o estresse, cansaço, medo, susto, solidão, rejeição por seus pares, etc. 

É importante que o cuidador, sempre que possível, nomeie o que a criança está sentindo e não se mostre frustrado ou irritado com sua necessidade de retornar. O adulto pode contribuir com comportamentos que ajudem a criança a “recarregar as energias”, como: brincar com ela, fazer algo que a acalme, cantar uma música que ela gosta, abraçar,  demonstrando amor e carinho.. 

Já sabemos então que o ponto de partida e de chegada para os movimentos de saída e retorno da criança é sempre, portanto, seu cuidador de referência!

O contexto do acolhimento

O círculo de segurança é um esquema que ilustra os movimentos do cuidador e da criança para que se estabeleça um vínculo saudável, afetivo e que permita que essa criança cresça segura de si e de seu ambiente, possibilitando que num futuro estabeleça relações com qualidades similares a  essa.

No contexto do acolhimento, de vínculos que precocemente são rompidos e onde há muita incerteza no ambiente, o círculo de segurança dá direcionamentos importantes para que o cuidador compreenda as necessidades da criança e a ajude a se sentir protegida e amada o suficiente para explorar e retornar para seus cuidados. 

Quando uma criança chega a um abrigo ou família acolhedora, sua primeira necessidade é ter seu refúgio seguro estabelecido, isso é,  ter a presença do cuidador, que irá protegê-la, confortá-la, apreciá-la e organizar os seus sentimentos.

E como isso pode se dar na prática?

Um cuidador de referência pode e deve apresentar a ela a casa, estar disponível para essa criança sempre que ela solicitar, estar por perto o máximo de tempo possível, para que ela saiba que não está sozinha e que estará protegida. Essa presença deve se dar via gestos, colo, olhar e palavras, pois será o cuidador quem proporcionará à criança a base organizadora e reguladora nesse momento tão difícil - seu refúgio seguro.

É preciso, portanto, ter em mente que a criança acolhida precisa de mais presença, proximidade, colo, constância e previsibilidade. Sabe-se que isso é mais desafiador num ambiente institucional, pois há troca de plantões, há a possibilidade do educador de referência sair de férias, tirar licença médica. O círculo de segurança pode ajudar a equipe a pensar cada situação particular, a forma com que cada ausência será comunicada à criança, a partilhar entre os educadores a identificação das necessidades e o lugar que eles estão no círculo em cada momento, por exemplo.

O modelo do círculo pode ajudar nas reuniões de equipe, ilustrando suas impressões e experiências um com outro, de forma que os adultos possam cuidar de cada criança da forma mais contínua e segura possível.

Com a segurança garantida, o refúgio seguro - que pode ser proporcionado pelo vínculo de mais de um educador -, o bebê ou criança poderá seguir para esse segundo momento que é a exploração. Como a imagem do início do texto mostra, a exploração da criança não é algo que ela faz sem o acompanhamento ou olhar do seu cuidador, por isso, mesmo quando o bebê está brincando, dando seus passos, indo para a escola, será o cuidador o principal impulsionador para que ela realize suas conquistas e se deleite com novas descobertas. 

Quando a criança na instituição tem um vínculo seguro e constante com seus cuidadores, ela pode explorar o mundo sabendo que seu retorno é garantido e que as suas figuras de apego estarão lá quando ela precisar, seja por estar sensível, para recarregar energias, para se regular. 

No retorno do círculo, é muito importante que a criança não seja reprimida ou repreendida por apresentar emoções como tristeza ou raiva, pelo contrário, o adulto pode nomear a emoção para ela compreender o que está sentindo e auxiliá-la a se regular emocionalmente. 

O cuidador pode dizer para o bebê ou criança que ela sentiu saudade, que é difícil que ele não esteja lá todos os dias, que ele entende que ela fique triste ou brava por sentir falta da visita da família de origem.

Em suma, o bebê, criança, ou adolescente acolhido tem ainda mais necessidade de vínculos seguros, uma vez que já sofreu alguns rompimentos e o círculo de segurança pode ser uma excelente ferramenta para ajudar os cuidadores a identificarem e refletirem sobre as necessidades que cada criança está vivendo naquele momento, assim como as melhores formas de responder a elas. 

Segue um vídeo explicando os movimentos do círculo

Circle of Security Animation

 

Powell, B., Cooper, G., Hoffman, K., & Marvin, B. (2014). The circle of security intervention: enhancing attachment in early parent-child relationships. New York: Guilford Press. 


Por Giovanna Donno e Vitória Whately 

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Vitoria Whately é psicóloga e psicanalista, colaboradora no projeto de pesquisa EI-3 (Impactos de Intervenções sobre a Institucionalização Precoce).

Giovanna Donno é psicóloga, terapeuta EMDR e Brainspotting, colaboradora no projeto de pesquisa EI-3 (Impactos de Intervenções sobre a Institucionalização Precoce).

Do que precisam as crianças e adolescentes nos primeiros 7 dias de acolhimento?

Do que precisam as crianças e adolescentes nos primeiros 7 dias de acolhimento?

Para a criança e o adolescente, o acolhimento representa uma ruptura com tudo aquilo que lhe é familiar, na medida em que o afasta de sua família e de seu ambiente de origem, rompendo com sua rotina, hábitos e relações afetivas. Assim, mesmo que a família não tenha sido capaz de cuidar da criança em determinado momento e que, por isso, o acolhimento tenha sido necessário, ser afastada de todos os elementos de seu cotidiano (pessoas conhecidas, roupas, brinquedos, etc.) tem um impacto significativo em sua vida. 

Dito isso, este texto tem como objetivo apresentar 5 pontos para os quais os profissionais (técnicos, educadores, famílias acolhedoras) devem estar atentos durante os primeiros 7 dias de acolhimento de uma criança ou adolescente, a fim de ajudá-la a passar da forma mais suave possível por esse momento duro da sua vida: 

  1. Assim que a criança ou adolescente chega, a primeira coisa a se fazer é escutar o que ela tem a dizer sobre o que está vivendo e sobre seus sentimentos se ela se mostrar aberta a falar sobre isso. Não se trata de qualquer escuta, e sim de uma escuta empática em que os adultos devem estar disponíveis para acolher os sentimentos da criança, explicar os motivos do acolhimento (ressaltando seu caráter provisório e protetivo) e ajudá-la a compreender o que irá acontecer com ela, reconhecendo o que se sabe sobre sua história e admitindo o que não se sabe também.  A abordagem com a criança ou adolescente deve ser simples, honesta e cuidadosa, respeitando seu ritmo e sua capacidade de compreensão. 

    É comum que as crianças perguntem aos cuidadores, logo após sua chegada, quando elas irão retornar para a sua família ou por quanto tempo terão que permanecer na instituição ou na família acolhedora. Estas, por exemplo, são informações que os adultos cuidadores não possuem no início do acolhimento, portanto, é importante explicar à criança que eles ainda não têm essas respostas, mas que enquanto ela estiver ali, ela estará segura e será cuidada por todos!

    Durante os 7 primeiros dias de acolhimento, os profissionais devem facilitar o estabelecimento de uma relação empática e de confiança com a criança, para que ela se sinta o mais segura possível neste período de mudanças. 

    Quanto mais acolhida e segura a criança se sentir nos primeiros 7 dias, mais suave será o processo de adaptação para o novo ambiente! 

  2. Para amenizar os impactos da ruptura com o ambiente de origem é importante que os cuidadores perguntem à criança informações sobre o seu dia-a-dia que sejam relevantes para a adaptação ao novo ambiente, por exemplo: “em que horário você costuma dormir?”; “o que você gosta de comer no café da manhã?”; “quais as suas brincadeiras preferidas?”, etc. 

    Pode ser que a criança não consiga falar sobre seus hábitos anteriores ao acolhimento, por sua idade ou por alguma condição física. Por isso, é fundamental que os profissionais do serviço recolham essas informações com os adultos que cuidavam da criança antes, na intenção de garantir a ela um mínimo de continuidade em sua rotina. 

    Ao mesmo tempo em que os adultos cuidadores devem se mostrar interessados nos hábitos e preferências da criança ou do adolescente, os primeiros 7 dias de acolhimento não devem ser marcados por muitos questionamentos - a não ser que essa seja a necessidade da criança - para que ela não se sinta sufocada e/ou invadida. 

    O foco é fazer a criança se sentir bem no novo ambiente e mostrar para ela que suas necessidades e desejos importam muito para os adultos que cuidarão dela naquele momento.

    Quanto mais especial a criança se sentir nos primeiros 7 dias, mais suave será o processo de adaptação para o novo ambiente.

  3. Além de buscar conhecer mais sobre as preferências da criança, a primeira semana serve para que os adultos apresentem, aos poucos, como se dá a rotina na instituição ou na família acolhedora. A criança precisará se adaptar às regras da nova casa, mesmo que sua permanência ali seja temporária. 

    No entanto, os profissionais devem respeitar o tempo que a criança levará para se adaptar e se reorganizar frente às mudanças. Ter calma e paciência! Não se trata de impor a ela uma rotina nova. É preciso delinear a forma como alguns ajustes serão realizados para respeitar tanto o que é familiar à criança quanto o que é preciso para uma boa convivência na instituição ou família acolhedora.

    Os cuidadores precisam se colocar no lugar da criança ou do adolescente e refletir sobre o que certas mudanças na rotina significam para alguém que está afastada de suas principais referências afetivas e de tudo o que lhe é familiar. 

    Por exemplo: se durante a primeira semana de acolhimento uma criança chora para tomar banho, é pouco provável que ela esteja “fazendo birra” por ser contra as regras e rotina do novo ambiente. Na verdade, seu choro pode significar desconfiança frente aos novos cuidadores, medo do que irá acontecer com ela, saudade do que lhe é familiar, necessidade de ser acolhida em suas dores.

    Quanto mais paciência os cuidadores tiverem com a criança nos primeiros 7 dias, mais suave será o processo de adaptação para o novo ambiente.

  4. Nos primeiros 7 dias de acolhimento, os cuidadores devem evitar contato físico que possa parecer invasivo para a criança ou o adolescente, como beijos e abraços. O ideal é observar os movimentos da criança para se aproximar ou distanciar fisicamente dos profissionais e seguir seus sinais e necessidade de proximidade. 

    Além disso, sempre que for preciso tocar na criança ou adolescente (durante a troca de fralda, hora do banho, alimentação, brincadeiras) os adultos cuidadores devem antecipar para ela o que irão fazer e observar suas reações após este anúncio. Isso porque o contato físico deve ser previsível para a criança, para que ela se sinta segura e no controle da situação. 

    Quanto mais respeitada a criança se sentir nos primeiros 7 dias, mais suave será o processo de adaptação para o novo ambiente. 

  5. Por último, mas não menos importante, é fundamental que os adultos cuidadores viabilizem mais tempo livre para estarem junto à criança ou ao adolescente nos primeiros 7 dias de acolhimento. Mais tempo e tempo de qualidade: de observações, escuta, interações, afeto e trocas! Mais tempo para “simplesmente” observar a criança, para escutá-la e conversar com ela, brincar daquilo que ela quiser ou propor novas atividades, ajudá-la nas tarefas escolares, para alimentá-la e dar banho, etc. 

    Para que um vínculo com uma criança ou adolescente que está passando por um momento de rupturas com tudo o que lhe é familiar possa ser construído, os cuidadores precisam se mostrar muito disponíveis para conhecê-la e dispostos a estarem com ela nos primeiros dias.

    Quanto mais disponibilidade para estar junto os profissionais mostrarem à criança nos primeiros 7 dias, mais suave será seu processo de adaptação para o novo ambiente! 

Mas será que estar atento a esses 5 pontos durante os primeiros 7 dias de acolhimento é suficiente para garantir a adaptação de crianças e adolescentes nos serviços?  

Infelizmente não!

Algumas crianças podem sim se adaptar bem ao novo contexto na primeira semana e vivenciar com mais ênfase o sofrimento e o medo inerentes à ruptura com seu ambiente de origem e à chegada no acolhimento nesse período No entanto, não podemos generalizar que isso acontecerá, tampouco comparar o período de adaptação de um novo acolhido ao de outra criança que já tenha passado pelo serviço. 

Algumas crianças lidam melhor com as rupturas, outras não. Algumas crianças demandam mais atenção nos cinco pontos apresentados neste texto nos primeiros 7 dias de acolhimento, outras ao longo do primeiro mês, outras durante todo o tempo que ficam acolhidas. 

Uma das maiores angústias dos profissionais é justamente saber quando o processo de adaptação de uma criança ou adolescente ao acolhimento irá acabar (e se irá acabar!). E para isso ninguém tem resposta. Mas se os profissionais garantirem acolhimento, segurança, paciência, respeito e disponibilidade para estar junto, as crianças poderão vivenciar esse momento difícil das suas vidas da forma mais suave possível, tendo a chance de construírem vínculos com seus cuidadores, tão importantes para seu desenvolvimento e sua autoestima! 

Por Ana Clara Fusaro Rodrigues

Ana Clara é psicóloga, psicoterapeuta psicanalista e mestre em Psicologia Clínica. Também atua como colaboradora no projeto de pesquisa EI-3 (Impactos de Intervenções sobre a Institucionalização Precoce).

PARCERIAS - Em parceria com o Ministério da Cultura, Fazendo Minha História estabelece parceria com  sete  abrigos no município de Salvador (BA).

PARCERIAS - Em parceria com o Ministério da Cultura, Fazendo Minha História estabelece parceria com sete abrigos no município de Salvador (BA).

Acreditando no potencial e na transformação da literatura no contexto de acolhimento. É com muita alegria que divulgamos em primeira mão os 7 serviços de acolhimento contemplados pelo projeto " Fazendo História em Salvador".

1. Unidade de Acolhimento Institucional Bonocô

2. Unidade de Acolhimento Institucional Matatu

3. Unidade de Acolhimento Institucional Jardim Baiano

4. Unidade de Acolhimento Institucional Jardim das Margaridas

5. Serviço de Acolhimento Lar da Criança

6. Serviço de Acolhimento Lar Pérolas de Cristo

7. Serviço de Acolhimento ACOPAMEC

Construiremos junto com cada um dos serviços de acolhimento parceiros um espaço de leitura com 300 livros infantojuvenis. O projeto ainda prevê seminários, oficinas de contação de histórias e todo o suporte necessário para favorecer o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes acolhidos.

Parabéns aos selecionados, estamos muito felizes por fazer história com vocês!

Equipe Fazendo Minha História.

OFICINA – Reflexões sobre sexualidade e gênero no serviço de acolhimento

OFICINA – Reflexões sobre sexualidade e gênero no serviço de acolhimento

No mês de junho de 2023 o Instituto Fazendo História, em parceria com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONDECA) – SP, realizou a oficina: “Reflexões sobre sexualidade e gênero no Serviço de Acolhimento” na cidade de Guarulhos e Campinas. Tivemos como convidadas as profissionais, Desirèe Monteiro Cordeiro, Psicóloga formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP, 2002), Psicodramatista Sociedade Paulista de Psicodrama (PUC-SP/SOPSP, 2005), Mestre em Ciências pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP - 2012). Psicóloga voluntária supervisora de atendimento de Adolescentes no Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual (AMTIGOS). Membro da WPATH - World Professional Association for Transgender Health (Associação profissional mundial de saúde de transgêneros).

Tivemos também a presença da profissional Cléria S. Pereira, Psicóloga pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Atua na área Clínica, em consultório particular, e Ambulatorial, pelo AMTIGOS-HCFMUSP, orientada pelo Psicodrama. Pós-graduanda em Sexualidade Humana. Experiência em desenvolvimento individual e coletivo em equipes de trabalho, atendimento clínico a grupo infantil, adolescente e adulto e acompanhamento terapêutico.

Nesta oficina, as profissionais realizaram uma sensibilização psicodramática com o grupo de profissionais presentes. Aqueceram o  grupo com a exposição de vídeo acerca do tema, no qual os profissionais construíram e dramatizaram cenas sobre a temática.

As profissionais Desirèe e Cléria realizaram uma explanação compartilhada, articulando os conceitos teóricos, a experiência de pesquisas, a prática profissional e situações cotidianas trazidas pelos profissionais durante as cenas.

Iniciaram a explanação diferenciando os conceitos de sexo e sexualidade, a partir da construção cientifica e realizaram contrapontos ao desenvolvimento de crianças e adolescentes, bem como os adultos podem mediar tal conhecimento. 

As profissionais levaram o grupo a refletir sobre as dificuldades de se abordar o tema sexo e sexualidade, não só com crianças e adolescentes, mas como sociedade, uma vez o que assunto é considerado tabu. Destacam a importância da escuta e do acolhimento do conteúdo trazido por criança e ou adolescente, bem como a importância de falar sobre o assunto de maneira clara e direta, considerando o repertório do sujeito (criança/ adolescente).

Afirmam que falar de sexo costuma ser mais difícil do que abordar a sexualidade, mas ressaltam a necessidade  de falar, uma vez que existe problemas como: “adolescentes fazem sexo, mas não falam sobre”, e que no exemplo citado, os adultos devem mediar, e ajudar a pensar sobre:  Quais os riscos? Onde? Quando? Com quem?.

Falaram também sobre o significado das siglas LGBTQIA+, resgatando marcos históricos que definiram a ordem de inclusão de cada letra. Abordaram os aspectos do sexo biológico, identidade de gênero, papel de gênero, orientação sexual, intimidade e afetividade de modo crítico.

Finalizaram a explanação apresentando a sexualidade como algo inato e que todo mundo tem, que deve ser olhado de modo individual e paradoxal e que pode se manifestar em qualquer fase do desenvolvimento. Diferente da orientação, que é possível identificar no período da puberdade.

Destacam a importância de validar o que é trazido pelas crianças e adolescentes, evitando senso comum, buscando entender e ter clareza da situação a partir de construções científicas. E afirmam a sexualidade como algo multicultural, portanto está sujeita a mudanças de acordo com o contexto no qual os sujeitos estão inseridos.

Assista à oficina na íntegra

OFICINA – O trabalho com histórias de vida a com deficiência

OFICINA – O trabalho com histórias de vida a com deficiência

por Aline Oliveira, Técnica Programa Formação

No mês de abril de 2023 o Instituto Fazendo História, em parceria com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONDECA) – SP, realizou a oficina: “O trabalho com histórias de vida” na cidade de Guarulhos e Campinas. Tivemos como convidadas as profissionais, Stéfani Dias Leite - graduada em História e atualmente mestranda em História pela Unifesp, atua também como formadora do Museu da Pessoa em diferentes projetos do Educativo e como pesquisadora com bolsa FAPESP e Fernanda Gomes- Assistente Social, atriz e mestranda no Programa de Pós Graduação em Humanidades, Direitos e outras Legitimidades- FFLCH-USP.  Atualmente é formadora do Museu da Pessoa. Criadora e produtora do Documentário Eu sou a Próxima, criadora, atriz e diretora  do curta "Perfume de cândida".

Tivemos também a presença da profissional Iara Caldeira do Amaral, Psicóloga formada pela PUC-SP, com atuação na área clínica e social, faz parte do coletivo 'Odô – consultoria criativa' e do Coletivo Margens Clínicas pela REM (Rede de Escutas Marginais). É facilitadora de grupos, atende adolescentes e adultos no consultório particular, e é professora de Yoga.

As profissionais Stéfani e Fernanda iniciaram a oficina apresentando o Museu da pessoa, indicando que o acervo do museu é composto pelas histórias de vida, que toda e qualquer pessoa pode estar, bem como a importância das histórias enquanto patrimônio. “A obra de arte do museu é a narrativa oral de cada um que compartilha a sua história" e que “trabalhar com essas histórias de vida também é trabalhar memoria”. 

A partir dessa explanação as profissionais convidadas realizaram uma sensibilização dos profissionais presentes com uma metodologia utilizada pelo Museu da pessoa - as rodas de histórias. Após a finalização das rodas, relacionaram os recursos presentes na roda de história, como escuta com o trabalho dos profissionais nos serviços de acolhimento e destacaram que “a importância do trabalho com histórias de vida e da escuta ativa é conseguir criar laços”.

O segundo momento da oficina, foi conduzido pela profissional Iara, que após o aquecimento do grupo, resgatou a vivência corporal para falar sobre a importância da percepção do corpo no trabalho com histórias de vida. 

Iniciou sua explanação indicando que o trabalho com histórias de vida deve ser construído  a partir da chegada da criança e ou adolescente  no serviço e como se dão os encontros a partir de então.

Apresentou o conceito de “Sankofa”, que se trata de um conceito de origem africana  e também conhecido como Adinkra – conjunto de ideograma que conta a história de um povo. Indica que “Sankofa” fala sobre olhar para trás e que nesse sentido ao pensar o trabalho com histórias de vida e histórico do acolhimento  no Brasil, é necessário olhar para nossa constituição enquanto pais.

Iara contextualizou a construção das infâncias a partir dos marcos históricos, indicado o processo de apagamento das vivências desse público, bem como as marcas do processo de escravização, destacando que devemos considerar esse contexto do passado, para que possamos olhar e fazer a escuta atual desses sujeitos.

Lembra-nos que o trabalho com histórias de vida  está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em seu artigo 100 e que devemos olhar para trás e nos questionar como estamos garantido esse direito no cotidiano de trabalho com crianças e adolescentes acolhidos. A profissional reconhece ser um desafio o trabalho com histórias de vida num contexto coletivo, mas indica a importância do olhar singular e ressalta que cada criança e adolescente é único.

Compartilhou recursos para o trabalho com historia de vida como a escuta e leitura do cotidiano e abordou sobre o trabalho do Programa Fazendo História e metodologia, apontado como uma estratégia para viabilizar e garantir a privacidade e direito a verdade no contexto de acolhimento, a profissional também destacou a importância de se considerar o território como parte do trabalho com historias de vida.

OFICINA – O trabalho em rede na garantia de direitos de crianças e adolescentes em situação de acolhimento

OFICINA – O trabalho em rede na garantia de direitos de crianças e adolescentes em situação de acolhimento

No mês de maio de 2023 o Instituto Fazendo História, em parceria com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONDECA) – SP, realizou a oficina: “O trabalho em rede na garantia de direitos de crianças e adolescentes em situação de acolhimento”. Tivemos como convidados os profissionais, Kwame Yonatan – Psicólogo e mestre empsicologia pela UNESP-Assis, doutor pela PUC-SP. Atua como supervisor e é professor no Instituto Gerar. Ativista do movimento negro pela saúde mental.Tem experiência profissional em políticas públicas, sendo supervisor institucional de profissionais do SUS e do SUAS. Atualmente, também compõe o coletivo Margens Clínicas; e Francisco Cesar Rodrigues (Chico) - Jornalista formado pela Universidade Brás Cubas e mestrando em Serviço Social pela PUC/SP. Iniciou trabalho na área social como Educador Social em 1991, na extinta Secretaria de Menor. Trabalhou em Organizações de acolhimento de crianças e adolescentes, foi Conselheiro no CMDCA/SP, Assistente Técnico na coordenadoria de criança e adolescente da Secretaria Municipal de Assistência Social de São Paulo e Supervisor de Assistência Social na região noroeste da capital, foi diretor de unidade de internação de adolescentes e jovens em cumprimento de medida socioeducativa e esteve à frente da Superintendência de Desenvolvimento Social da Organização Sustenidos, gestora do Projeto Guri em cerca de 300 municípios do Estado de São Paulo. Atuou como militante na causa da criança e adolescente nos Fóruns municipal e estadual DCA e hoje milita nos movimentos de cultura e arte periférica, com os coletivos de Slam.

O profissional Chico iniciou os trabalhos resgatando as mudanças sociais frente a sua caminhada, e mencionou como é importante “se aventurar no desconhecido” para que possamos construir e atender demandas atuais, pensando o trabalho em rede.

Indicou como referencial de sua prática a produção do Professor Antônio Carlos da Costa, falando sobre a articulação, mobilização e a compreensão do Nó da rede. Realizou uma explanação a partir de marcos presentes na legislação: Constituição (88); Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)  e demais Políticas Públicas  voltadas para infância e juventude. Apresentou os princípios que devem reger entes que se articulam, tais como: a complementaridade, a unificação de fazeres, o respeito à identidade de cada articulado, uma vez que se convergem, a autonomia de quem se articula e o dinamismo.

O profissional indicou ainda, atitudes que favorecem o processo de articulação, no qual mencionou: a percepção da conjuntura do dia a dia, identificação atenta e criteriosa de interlocutores e parceiros, explicação e aprofundamento constante de um referencial comum de crença e valores, entre pessoas, grupos ou entidades participantes de um processo de articulação.    Planejamento conjunto, participativo e estratégico das ações, avaliações presentes das atividades desenvolvidas. Destacou a questão da incompletude institucional e de que o sujeito criança e adolescente não deve ser fragmentado, mas sim integrado. O trabalho em rede deve partir dos vínculos básicos com a Família, Escola e comunidade. Finalizou sua explanação indicando que “sem articulação não há mobilização e sem mobilização não há mudança na ordem social”.

O segundo momento da oficina foi conduzido pelo profissional Kwame, que compartilhou sua experiência de alguns trabalhos em rede. Nomeou sua fala com o título “ Aquilombamento como tessitura de rede – a construção do comum na diferença”. Apresentou um caso para articular com os conceitos, retomando a ideia do nó da rede apresentada pelo profissional Chico e destacando a complexidade dos casos que chegam nos serviços. Afirma a necessidade do trabalho em rede como forma de intervenção.

Realizou sua explanação a partir de esquema do processo de rota crítica da lei Maria da Penha, e indicou que, a partir de sua experiência de aquilombamento, mais de 50% da população atendida pelas políticas públicas é negra, sendo que no SUS chega a ser 80%. Levou o grupo a refletir sobre esses dados e questionou o que isso significa em termos de atendimento? Como estamos atuando, considerando essas estatísticas?.

  O profissional realizou um breve resgate dos marcos históricos da realidade das pessoas negras ao longo da história para conceituar o racismo estrutural. Citou autores como Cloves Moura para falar sobre o sujeito negro, a desigualdade e o conceito de Quilombagem, de Abdias do Nascimento – Livro Quilombismo. Destaca a ideia do autor sobre a necessidade de restituição histórica, frente à destituição histórica vivenciada em nossa constituição. 

Kwame apresentou o processo de quilombo como algo que envolve a ideia de afeto - ressalta o caráter técnico, mas indica a necessidade de serem afetivas - referenciado na construção da autora Beatriz Nascimento. Concluiu de sua fala indicando o trabalho do autor Emiliano Camargo, que propõe a ideia de aquilombação. Menciona que o aquilombamento é “um mundo sem muros da colonialidade”, o que acredita que é possível.

Ao fim da oficina o grupo é provocado a participar de uma sensibilização no qual pôde discutir e construir coletivamente estratégias de rede que atendessem o cotidiano de trabalho de seus Serviços.

Assista a oficina na íntegra

OFICINA – O trabalho com histórias de vida

OFICINA – O trabalho com histórias de vida

No mês de abril de 2023 o Instituto Fazendo História, em parceria com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONDECA) – SP, realizou a oficina: “O trabalho com histórias de vida” na cidade de Guarulhos e Campinas. Tivemos como convidadas as profissionais, Stéfani Dias Leite - graduada em História e atualmente mestranda em História pela Unifesp, atua também como formadora do Museu da Pessoa em diferentes projetos do Educativo e como pesquisadora com bolsa FAPESP e Fernanda Gomes- Assistente Social, atriz e mestranda no Programa de Pós Graduação em Humanidades, Direitos e outras Legitimidades- FFLCH-USP.  Atualmente é formadora do Museu da Pessoa. Criadora e produtora do Documentário Eu sou a Próxima, criadora, atriz e diretora  do curta "Perfume de cândida".

Tivemos também a presença da profissional Iara Caldeira do Amaral, Psicóloga formada pela PUC-SP, com atuação na área clínica e social, faz parte do coletivo 'Odô – consultoria criativa' e do Coletivo Margens Clínicas pela REM (Rede de Escutas Marginais). É facilitadora de grupos, atende adolescentes e adultos no consultório particular, e é professora de Yoga.

As profissionais Stéfani e Fernanda iniciaram a oficina apresentando o Museu da pessoa, indicando que o acervo do museu é composto pelas histórias de vida, que toda e qualquer pessoa pode estar, bem como a importância das histórias enquanto patrimônio. “A obra de arte do museu é a narrativa oral de cada um que compartilha a sua história" e que “trabalhar com essas histórias de vida também é trabalhar memoria”. 

A partir dessa explanação as profissionais convidadas realizaram uma sensibilização dos profissionais presentes com uma metodologia utilizada pelo Museu da pessoa - as rodas de histórias. Após a finalização das rodas, relacionaram os recursos presentes na roda de história, como escuta com o trabalho dos profissionais nos serviços de acolhimento e destacaram que “a importância do trabalho com histórias de vida e da escuta ativa é conseguir criar laços”.

O segundo momento da oficina, foi conduzido pela profissional Iara, que após o aquecimento do grupo, resgatou a vivência corporal para falar sobre a importância da percepção do corpo no trabalho com histórias de vida. 

Iniciou sua explanação indicando que o trabalho com histórias de vida deve ser construído  a partir da chegada da criança e ou adolescente  no serviço e como se dão os encontros a partir de então.

Apresentou o conceito de “Sankofa”, que se trata de um conceito de origem africana  e também conhecido como Adinkra – conjunto de ideograma que conta a história de um povo. Indica que “Sankofa” fala sobre olhar para trás e que nesse sentido ao pensar o trabalho com histórias de vida e histórico do acolhimento  no Brasil, é necessário olhar para nossa constituição enquanto pais.

Iara contextualizou a construção das infâncias a partir dos marcos históricos, indicado o processo de apagamento das vivências desse público, bem como as marcas do processo de escravização, destacando que devemos considerar esse contexto do passado, para que possamos olhar e fazer a escuta atual desses sujeitos.

Lembra-nos que o trabalho com histórias de vida  está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em seu artigo 100 e que devemos olhar para trás e nos questionar como estamos garantido esse direito no cotidiano de trabalho com crianças e adolescentes acolhidos. A profissional reconhece ser um desafio o trabalho com histórias de vida num contexto coletivo, mas indica a importância do olhar singular e ressalta que cada criança e adolescente é único.

Compartilhou recursos para o trabalho com historia de vida como a escuta e leitura do cotidiano e abordou sobre o trabalho do Programa Fazendo História e metodologia, apontado como uma estratégia para viabilizar e garantir a privacidade e direito a verdade no contexto de acolhimento, a profissional também destacou a importância de se considerar o território como parte do trabalho com historias de vida. 

Assista a oficina na íntegra

OFICINA – A relação com o sistema judiciário: caminhos na efetivação de direitos

OFICINA – A relação com o sistema judiciário: caminhos na efetivação de direitos

No dia 19 de abril de 2023, o Instituto Fazendo História realizou a primeira oficina presencial do Projeto Capacitação em Serviços de Acolhimento, com o apoio do FUMCAD (Fundo Municipal da Criança e do Adolescente), no Instituto Pólis, centro da cidade de São Paulo. Com o tema “A relação com o sistema judiciário: caminhos na efetivação de direitos”, o encontro foi direcionado aos profissionais que atuam nos Serviços de Acolhimento Institucional, Familiar, Rede Socioassistencial e do Sistema de Garantia de Direitos. 

A oficina contou com a participação de Eliana Kawata, psicóloga judiciária chefe do Setor de Psicologia da Vara Central da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de SP, graduada pela USP/SP, mestre em Psicologia Social pela PUC/SP e especialista na área de Violência Doméstica contra crianças e adolescentes pelo Laboratório de Estudos da Criança da USP/SP; e também de Gracielle Feitosa de Loiola, mestre e Doutora em Serviço Social pela PUC-SP, com exercício profissional nas áreas da assistência social e judiciária, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Crianças e Adolescentes - NCA/SGD e autora do livro Produção sociojurídica de famílias "incapazes": do discurso da "não aderência" ao direito à proteção social, pela editora CRV (2020).

Em um primeiro momento, Eliana apresenta um panorama do sistema de justiça, partindo de um breve histórico, no qual percorre desde a Doutrina da Situação Irregular, que controlava a situação de crianças e adolescentes em situação de pobreza ou que haviam cometido atos infracionais, considerando estes como menores e meros objetos do estado. Ela indica a Constituição federal (1988), a Convenção Internacional dos Direitos da Criança (1989) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA - 1990) como marcos que instauram a Doutrina de Proteção Integral, quando se passa a considerar crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e a garantia desses direitos como prioridade absoluta, a ser assegurada pela família, estado e sociedade. 

Eliana também traz matérias jornalísticas publicadas ao longo das décadas, assim como pesquisas, para marcar a visão que se tinha das crianças e adolescentes em situação de acolhimento, como geradores de sua marginalidade e culpados pelas violências que sofriam, contrapondo com a que deve prevalecer cada vez mais no trabalho com esse público, na qual não podem ser responsabilizados, sendo o fracasso da sociedade e do estado. A partir daí, pontua uma série de condições que precisam ser garantidas para o rompimento de uma cultura de institucionalização rumo à cultura de garantia de direitos, dentre elas, o fortalecimento da família e sua inclusão em políticas públicas como primeira resposta às situações de vulnerabilidade ou risco, o caráter excepcional e provisório da medida de acolhimento, o respeito à história e à individualidade de cada criança e a convivência comunitária como direito.

Pautada pelo ECA, a especialista apresenta dados e ações que precisam ser conhecidos pelas equipes dos serviços de acolhimento na sustentação de seu trabalho e nos posicionamentos necessários enquanto parte da rede, tais quais, como deve funcionar a política de atendimento, os eixos que compõem o sistema de garantia de direitos, quem são os atores que integram o sistema judiciário e suas funções e quais os princípios devem nortear a aplicação da medida protetiva. Ela indica o papel primordial do judiciário de julgamento e decisão de cada caso, mas, ao mesmo tempo, enfatiza a importância do estudo diagnóstico com envolvimento de toda rede, avaliando riscos para a criança ou adolescente e quais as condições e potencialidades da família para lidar com as suas violações.

Eliana aborda o Plano Individual de Atendimento (PIA) como um dos principais instrumentos, com poder de lei quando homologado pelo judiciário, para o trabalho com a criança ou adolescente em situação de acolhimento. Deve ser construído pela equipe do serviço com a escuta e participação das crianças, adolescentes e famílias, tendo em vista sempre a reintegração familiar, e, em casos específicos, pode também subsidiar quando não tiver mais para onde avançar e se determinar pela adoção. Ela ainda aponta os principais avanços que identifica no sistema judiciário, reforçando uma maior rapidez nos encaminhamentos dos processos, e quais são os desafios, ressaltando a relevância de uma política preventiva, de enfrentamento da pobreza e de participação da sociedade na escolha dos conselheiros tutelares. 

Em seguida, Gracielle apresenta como os dados e princípios trazidos por Eliana se materializam no cotidiano, a partir de um caminho provocativo e de narrativas de sujeitos que participaram de suas pesquisas que contribuem para pensar sobre essa realidade. Logo, traz a seguinte provocação: ao construir o PIA será que, de fato, escutamos as pessoas, tensionando o judiciário e pensando medidas de proteção para aquela família, ou apenas naturalizamos histórias e cumprimos um fazer burocrático, seguindo uma perspectiva de punição e moralização?  

A especialista, fazendo uso de imagens, convoca os participantes a pensarem qual o lugar do sistema judiciário, ressaltando como, por um lado, se apresenta como uma instituição que deve garantir direitos e, por outro, é marcado por uma linha de responsabilização e punição. E como as demais instituições, onde se incluem os serviços de acolhimento, ficam entre um jogo de tensões, propícias a estabelecer uma relação hierárquica e conservadora, muitas vezes respaldada pelos próprios profissionais desse sistema. Ela traz como esse deve ser um lugar de atenção na atuação profissional e como os serviços não devem trabalhar para o judiciário, assumindo um lugar de subordinação e de subsídio às suas decisões, mas com ele, identificando que sua posição pode ser de discordância e de apresentação de contrapontos. São eles que estão mais próximos das famílias e podem indicar as ausências de proteção do estado, utilizando os relatórios para tensionar e falar por elas, já tão silenciadas.

Ao apresentar trechos de falas de mulheres que participaram de suas pesquisas, muitas com trajetória de rua, de uso de substâncias psicoativas e que tiveram suas vidas judicializadas na maternidade, Gracielle nos desafia a pensar quem são essas famílias e compreender quais as histórias por trás da história, além do tipificado em um discurso de não aderência ao acompanhamento. Aponta como as vivências e valores de quem trabalha com essas famílias podem atravessar o fazer profissional, influenciando na avaliação de sua capacidade protetiva e acabando-se por não questionar questões estruturais mais amplas. Problematizando o uso das palavras vulnerabilidade e negligência, ela traz o perigo de individualizar a questão e responsabilizar as famílias, sem considerar o quanto são vulnerabilizadas, negligenciadas e desprotegidas pelo estado e sem acionar respostas públicas para essas situações.

A especialista também chama a atenção para que a forma como os serviços se posicionam nos relatórios pode virar verdade sobre as famílias que atendem, provocando a pensar como se tem escutado e escrito sobre elas: que parâmetros usamos para medi-las? Que valores e escolhas vão nortear o fazer profissional cotidiano? Devolvemos às famílias o que escrevemos sobre elas? Reforça como as palavras são políticas e revelam sempre uma intenção, de forma que a escrita não pode ser automática e deve expressar e desvendar a realidade vivida pelas famílias, particularizadas por questões de raça, classe e gênero, e suas desproteções. Finaliza abordando como sempre deve estar no horizonte do profissional qual a intencionalidade que o guia, de modo a reforçar uma potência punitivista e fiscalizadora ou uma potência emancipatória e de questionamento, e o cuidado para não cair na responsabilização individual de algo que é estrutural.

Na segunda parte da oficina, os participantes puderam discutir em grupos, e em seguida com a mediação das especialistas, sobre os principais desafios e alternativas que identificam para lidar com as questões na relação com o judiciário no cotidiano.

Confira o vídeo coma oficina completa, no nosso canal no YouTube.

Interagindo com o bebê - uma via de mão dupla

Interagindo com o bebê - uma via de mão dupla

Como se interage com um bebê? Essa pergunta evoca uma série de ideias. Leia nosso conteúdo e entenda um pouco do que está envolvido nessa interação que é, antes de qualquer coisa, uma via de mão dupla.

A importância do respeito às origens

A importância do respeito às origens

No contexto do acolhimento e adoção de crianças e adolescentes, nos deparamos com inúmeras fantasias acerca das famílias de origem que entregam seus filhos ou os têm retirados pelo Estado quando é verificado que, por algum motivo, elas não estão sendo capazes de  garantir os direitos da criança naquele momento. É necessário cultivar o respeito às origens de cada individuo e é sobre isso que falamos nesse conteúdo. Saiba Mais


O trabalho com histórias de vida e família - Estratégias de cuidado

O trabalho com histórias de vida e família - Estratégias de cuidado

No dia 01 de fevereiro de 2023, tivemos o prazer de receber no Instituto Pólis, localizado no centro de São Paulo, duas convidadas/especialistas para uma oficina com o tema "O trabalho com histórias de vida de crianças e famílias - Estratégias de cuidado". Leia o conteúdo completo!

Oficina O Papel do(a) Educador(a) no serviço de acolhimento

Oficina O Papel do(a) Educador(a) no serviço de acolhimento

No mês de fevereiro de 2023 o Instituto Fazendo História, em parceria com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONDECA) – SP, iniciou o ciclo de oficinas na cidade de Guarulhos e Campinas.  Serão realizados 20 oficinas durante o ano de 2023, sendo 10 em Guarulhos, e 10 replicados no município de Campinas, direcionados aos profissionais que atuam nos Serviços de Acolhimento Institucional, Familiar, Rede Sócio Assistencial e do Sistema de Garantia de Direitos. O primeiro tema abordado foi “O papel do(a) educador(a) no Serviço de Acolhimento”. Tivemos como convidado o profissional Paulo Silva, educador social da Política do Sistema Único de Assistência Social - SUAS desde 2004 através de diversas organizações da Sociedade Civil das cidades de São José dos Campos e atualmente em Campinas – SP. Formado no Campo da Pedagogia, Especialista em Arte Educação pelo Instituto Brasileiro de Formação para Educadores. Coordenador Cultural do Projeto Poética Musical. Co-fundador do GEPPES - Grupo de Estudos e Práticas Permanentes em Educação Social.

Materiais produzidos pelo GEPPES

Tivemos também a presença da profissional Valéria Pássaro, pedagoga, com especialização e larga experiência na área de educação e acolhimento. Foi coordenadora da Casa das Expedições, serviço de acolhimento em São Paulo, construindo junto à equipe um projeto político pedagógico criativo e transformador, apoiado em propostas de educação libertária. É atualmente diretora executiva da Moradia Associação Civil.

Paulo iniciou os trabalhos do dia, utilizando como método de sensibilização imagens geradoras que foram expostas no ambiente durante a chegada dos participantes e fez uso de sua trajetória profissional para discutir a temática proposta.

 A partir da pluralidade de profissionais presentes no encontro, Paulo destacou a importância da multidisciplinaridade e interdisciplinaridade nos processos de trabalho, bem como, reconheceu o avanço das Políticas Públicas voltadas para crianças e adolescentes e suas famílias. Paulo é o primeiro educador a ocupar um cargo de Coordenação, em um serviço no Sistema Único de Assistência Social - SUAS em seu município, e   aponta a importância deste lugar,  a partir de sua compreensão de que o trabalho se faz junto e não sozinho. Em sua explanação teve como principal objetivo provocar a reflexão sobre a identidade educadora, na perspectiva de que o SUAS tenha processo de educação permanente voltado para reflexão deste trabalho e que seja parte de uma cultura na Política de Assistência Social.

O profissional faz menção a Paulo Freire, indicando que todos os profissionais do Serviço de Acolhimento são educadores e que a discussão deste tema é importante para que ocorram avanços no atendimento de crianças, adolescentes e seus familiares, uma vez que os educadores(as) estão em relação cotidiana com eles, e conseguem realizar avaliação de fatores de proteção e fatores de risco.

Fala da importância dos detalhes que estão presentes na relação entre crianças e adolescentes e profissionais, que é a partir do reconhecimento das necessidades destes sujeitos que vamos avançar. Finaliza sua fala, destacando que a forma como este profissional se relaciona com o lugar de educador(a) vai implicar em seu trabalho. 

Valéria dá início a sua fala reconhecendo os avanços da Política de Assistência Social e apontando o desafio do trabalho se modificar a fim de ter qualidade no fazer. 

A profissional também se volta para sua trajetória como educadora, para falar sobre o papel do educador. Indica que todos somos educadores na relação com outro humano, no qual todos estão em desenvolvimento e somos afetados na relação e que nesse sentido é necessário se questionar: O que somos? Por que estamos no serviço? O que queremos com isso? E para onde vamos?

Fala que a educação social “é poder ajudar a promover a educação e o desenvolvimento do outro e o nosso”, reforçando que somos afetados e provocados a pensar o nosso estar no mundo e de que modo podemos tocar o outro. Valéria aborda a importância de ter disponibilidade afetiva e intencional, no qual os profissionais devem saber onde querem chegar, para que não caiam no vazio, e que para isso é necessário tomada de consciência. Fala sobre a importância da construção coletiva de um Projeto Político Pedagógico – PPP para o Serviço, destacando que o trabalho não deve ser mecânico, que com os avanços a Política de Assistência Social, o trabalho foi se burocratizando o que implica no trabalho com relações Humanas. Destaca que não será na manutenção das coisas que vamos avançar.

Outro aspecto importante apresentado por Valéria foi sobre a necessidade de que o ambiente seja educador - no clima e na proposta humana que se coloca no ambiente - e que deve ser algo constante. Aponta que os profissionais devem ajudar as crianças e adolescentes a sonharem seus futuros. Para Valéria. “é preciso imaginar para encontrar realidades” - a realidade não está dada, portanto devemos inventá-la diariamente.

A profissional finalizou sua explanação indicando que o serviço de acolhimento deve ser compreendido como uma parte da sociedade, e trás para dentro tudo que está presente no campo social, deste modo tudo fica contido no cotidiano do acolhimento. Indica que faz parte do papel do educador olhar para fora e ver o que está sendo produzido a respeito destas questões para que possamos nos preparar para o trabalho.

Assista a oficina na íntegra: https://youtu.be/0Gd5eNmdRUk




Oficina Transições no Acolhimento: chegadas e partidas

Oficina Transições no Acolhimento: chegadas e partidas

Nesse mês de março o Instituto Fazendo História em parceria com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONDECA) – SP realizou oficinas nas cidades de Guarulhos e Campinas com o tema “Transições no acolhimento: chegadas e partidas”. O evento faz parte de um ciclo de oficinas que ocorrem mensalmente em Guarulhos e Campinas e acontecerão até o final de 2023.

Para a explanação do tema tivemos Lara Naddeo, que é psicóloga pela PUC-SP, mestre em intervenção psicossocial e atua há 10 anos no universo do acolhimento de crianças e adolescentes, sendo co-autora do Guia de Acolhimento Familiar e consultora de projetos na área do acolhimento e adoção; e Adriana Pinheiro, assistente social, especialista em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes, Políticas Públicas e Direitos Sociais, e em Instrumentalidade do Serviço Social. Atuou como assistente social e coordenadora de um Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora por 20 anos. Atualmente é membro do Observatório da Infância e Adolescência (OIA) do Núcleo de Políticas Públicas (NEPP) da Unicamp.

Lara iniciou sua apresentação relacionando os conceitos vínculo, apego e despedidas com o tema acolhimento. Pontuou que o acolhimento acontece após um rompimento, em sua maioria brusco e violento, e a criança/adolescente tem de se adaptar a uma nova realidade, o que lhe exigirá um processo de luto. Explorou o tema luto, saindo da concepção de que ele apenas acontece quando há a morte, e salientando que é a reação à perda de um vínculo, de algo conhecido e é um processo de adaptação e reorganização após a perda.

Diante disso, e considerando que todas as crianças e adolescentes que estão em situação de acolhimento passaram por um rompimento e preferencialmente também se despedirão do serviço de acolhimento ou de sua família acolhedora, Lara diferenciou o processo de separação da ruptura, sendo o primeiro gradual, cuidado, narrado e com espaços de acolhimento para o sofrimento, e o segundo violento, traumático, não nomeado e sem espaço para legitimar o afeto e o desejo de quem por ele passa.

Lara refletiu com as/os participantes da oficina – trabalhadoras/es de serviços de acolhimento e da rede socioassistencial no geral – a importância de cuidar do momento da chegada e da saída do/a acolhido/a, que precisa de afeto e segurança para apropriar-se de sua história e elaborar suas despedidas.

Posteriormente, Adriana deu continuidade ao tema trazendo estratégias de atuação frente às transições das crianças/adolescentes acolhidos. Falou sobre o que a equipe do acolhimento pode utilizar para acolher a chegada da criança/adolescente e também para preparar a saída do serviço.

Dentre as sugestões, citou o cuidado, afeto e tempo necessário – escuta sensível e atenta; a importância de reunir informações sobre rotinas, hábitos e necessidades para minimizar o impacto da mudança, e também refletiu sobre a necessidade de contato com a família de origem logo após o ingresso da criança/adolescente no serviço, a fim de acolher os sentimentos da família e promover o trabalho de manutenção de vínculos.

No segundo momento da oficina, as/os participantes assistiram ao vídeo “Removida”, que narra a história de uma dupla de irmãos que foram separados de sua família e foram morar com uma família acolhedora mostrando os desafios de se adaptarem e de se abrirem para novos vínculos, tendo em vista o sofrimento pela separação de sua família de origem. Após o vídeo, foram divididos em grupos menores para pensar na atuação dos profissionais da rede de garantia de direitos frente à situação dos irmãos – quais seriam as ações que realizariam.

Após assistirem à construção de cada grupo, as especialistas dialogaram com as/os participantes da oficina, respondendo às perguntas e considerações trazidas acerca da temática.


Confira o vídeo com com a oficina completa: https://youtu.be/kfpfW9unlqE


Desafios, preocupações, medos e angústias de quem completa 18 anos em um serviço de acolhimento

Desafios, preocupações, medos e angústias de quem completa 18 anos em um serviço de acolhimento

Talvez você nunca tenha parado para pensar a respeito, mas sabia que alguns adolescentes acolhidos em abrigos, casas lares ou famílias acolhedoras não puderam voltar a morar com suas famílias de origem e não foram adotados por não terem perfil compatível com aquele desejado pelos pretendentes à adoção?  

Essas meninas e meninos ficarão acolhidos até completarem 18 anos. Depois disso serão encaminhados para uma República Jovem (única política pública específica para esse público e onde podem permanecer por até 3 anos) ou viverão por conta própria.

Gostaria de convidar você para um exercício de empatia, de se colocar no lugar desses adolescentes por alguns minutos e refletir: que desafios, preocupações, medos e angústias eles possivelmente enfrentam?

Antes de pensarmos sobre as especificidades desses adolescentes, vale considerarmos que o período entre a infância e a vida adulta não costuma ser fácil nem mesmo para aqueles que vivem com suas famílias e possuem amplo apoio afetivo e material, não é mesmo?

A adolescência, que pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, é o período entre os 12 e 18 anos de idade, é marcada por mudanças significativas e intensas, que transformam o modo como o indivíduo se reconhece e se coloca no mundo. Nesta fase, o jovem começa a dar novos sentidos e significados para o corpo que está em transformação, para os laços sociais e para suas relações, construindo uma nova definição de si mesmo. Na passagem do mundo infantil para o mundo adulto são feitas escolhas pessoais e profissionais, ao mesmo tempo em que surgem novas expectativas sociais. É um tempo de intenso trabalho emocional.

Os projetos de vida elaborados nessa fase da vida são construídos, por um lado, a partir da visão que o adolescente tem de si mesmo, de suas qualidades, desejos e propósitos, e, por outro, a partir das oportunidades concretas que o mundo externo oferece e que, no contexto do acolhimento, podem ser extremamente desiguais devido a questões de raça, classe, sexualidade e gênero. É preciso lembrar que a maioria das crianças e adolescentes acolhidos são pretos e pardos e, devido ao racismo estrutural que caracteriza nosso país, enfrentam inúmeras desvantagens em relação a pessoas brancas, seja no mercado de trabalho, na distribuição de renda, nas condições de moradia, na educação, nas diversas formas de violência ou na representação política. Como consequência, há maiores níveis de vulnerabilidade econômica e social neste grupo. Adolescentes meninas enfrentam ainda desafios ligados à discriminação e desigualdade de gênero, que coloca meninas e mulheres em condições de maiores dificuldades de vivência e sobrevivência e reforça estereótipos e papéis de gênero sob a crença de que o sexo masculino é superior ao feminino.  

Em meados de 2021, foi realizada uma visita com um grupo de adolescentes em situação de acolhimento a uma exposição sobre Carolina Maria de Jesus, importante escritora brasileira negra que, por meio de sua arte, retratava questões sociais de um povo negro, periférico e pobre. Ainda na entrada, três adolescentes que compunham o grupo – não por acaso negros – tiveram uma truculenta e abusiva abordagem policial. Apontando as armas para suas cabeças e hostilizando-os, os policiais os acusavam de terem furtado pessoas das proximidades. Mesmo em meio as intervenções e protestos das técnicas que acompanhavam o grupo, eles continuaram com a ação violenta, intimidando-as e constrangendo os adolescentes ainda mais, em frente a uma fila de pessoas que aguardava para adentrar à exposição. Não encontraram nada. Além das técnicas e integrantes do próprio grupo, não houve reação de nenhuma outra pessoa que estava acompanhando a situação, nem da instituição que se propunha a denunciar, por meio da Carolina Maria Jesus, o racismo e as desigualdades sociais.

Há muitos desafios que os adolescentes junto às suas famílias em um contexto de vulnerabilidade podem enfrentar, contudo, para os que vivem no contexto de acolhimento, há ainda outros, acredite. Somam-se aos desafios já descritos o fato de que muitos estiveram acolhidos por muitos anos e precisarão necessariamente se desligar do serviço ao completarem 18 anos. Essa despedida compulsória muitas vezes ignora o desejo e o tempo que cada um necessita para uma mudança tão grande e relevante. Afinal, quantos de nós ou dos adolescentes que conhecemos estavam prontos para sair de casa e se virar sozinhos nessa idade?

                Camila[1] é uma jovem de 19 anos, que ficou acolhida em um mesmo serviço por aproximadamente 9 anos até completar a maioridade e se desligar. No período de acolhimento, perdeu o contato com sua família de origem e seu irmão mais novo, que estava com ela no mesmo serviço e passou por uma adoção internacional. Camila seria adotada junto com ele, entretanto, a família pretendente a rejeitou e levou somente seu irmão. Durante o período de acolhimento, Camila tomava muitos medicamentos em decorrência de questões relacionadas à sua saúde mental.  Quando completou 18 anos, teve que sair do abrigo e teve muitas dificuldades para se adaptar a um novo espaço e rotina. Passou por duas repúblicas, tentou morar sozinha, morou com amigas, passou por albergue e hoje, retornou para república. Neste período, tomou a decisão de suspender toda sua medicação, alegando que não conseguia ser ela mesma com a alta dosagem, e isso afetou severamente seu humor e seu comportamento. Sua rede de apoio era bastante restrita e frágil, o que tornou sua saída ainda mais desafiadora. A jovem foi gradativamente compreendendo suas experiências dentro e fora do abrigo, encontrando outros espaços sociais de pertencimento e aderindo ao acompanhamento psicológico. Hoje está mais fortalecida em seu discurso e atitudes em torno de seus projetos e planos para o futuro.

O adolescente que irá se desligar pela maioridade se vê forçado a enfrentar o mundo muitas vezes sozinho, em uma idade que não está pronto para isso. Além disso, se despedir aos 18 anos do local em que viveu, às vezes por muitos anos, pode significar perder um lugar de pertencimento para o qual não se pode voltar sempre que quiser pedir ajuda, compartilhar notícias ou simplesmente almoçar num domingo ao lado de pessoas queridas. Nessa mudança, perdem-se também laços afetivos importantes construídos com pessoas que talvez não volte a conviver.

A adolescência é também um tempo de resgate da própria história. Entrar em contato, elaborar e integrar histórias pessoais e familiares, assim como superar ou identificar-se com valores ligados à sua origem, permite construir e escrever uma história futura. No entanto, adolescentes que ficaram acolhidos por muitos anos podem ter muitas lacunas em suas memórias. Por que fui acolhido? Por que fiquei aqui por tantos anos? O que realmente passou com minha família? Onde estão meus pais, irmãos, avós? Por que não fui adotado? É possível ser feliz sem ter uma família? Sou merecedor de amor e cuidado? Com quem poderei contar quando eu não estiver mais acolhido? Essas podem ser algumas das perguntas para as quais nem sempre encontram respostas. E exigir a projeção de um futuro a partir de um passado muitas vezes incerto chega a ser injusto.  

Manoel[2] é um adolescente negro de 17 anos, prestes a completar 18, que reside em serviço de acolhimento institucional desde os 10 anos de idade, junto com um irmão que hoje tem 16 anos. Em um primeiro momento, ficaram acolhidos com dois irmãos mais novos. Posteriormente, os menores foram destituídos do poder familiar e encaminhados para adoção. Por conta disso e com o objetivo de afastar os irmãos, Manoel e o irmão de idade mais próxima à dele foram transferidos para um outro serviço de acolhimento. O tempo foi se passando, os vínculos foram se enfraquecendo e atualmente o adolescente não tem mais informações sobre os pais e outros familiares, nem mesmo sobre seus dois irmãos mais novos. Já houve duas tentativas de apadrinhamento afetivo que não deram certo, colocando-o, novamente, em experiência de rompimento de vínculos e sensação de abandono. Atualmente, os adolescentes têm um padrinho afetivo e existe um grande vínculo entre eles. Manoel sempre expressou o desejo do padrinho adotá-lo, mas por diversas razões isso não é possível. Assim, o adolescente se prepara, como pode, para em breve se desligar do acolhimento e seguir por conta própria.

Experimentar, desistir e experimentar de novo faz parte da descoberta do mundo e do processo de amadurecimento. Mas os adolescentes acolhidos têm menos chances de fazer essas experimentações, uma vez que eles e os adultos responsáveis por eles vivem sob a pressão de tomar decisões urgentes ligadas a necessidades básicas de moradia e trabalho. Onde e com quem vou morar? Que trabalho me interessa? Os trabalhos que me interessam estarão disponíveis para alguém como eu? Essas provavelmente são outras perguntas que os adolescentes se fazem.   

Esses fenômenos, que muitas vezes ocorrem de forma extremamente violenta, produzem um efeito absolutamente singular na história de vida de cada indivíduo e no seu modo de ser, existir e transitar no mundo. Há muitas adolescências possíveis, não há um modo único para definir os adolescentes que estão no serviço de acolhimento. No entanto, sabemos que é essencial para todos uma preparação verdadeiramente gradativa para o desligamento e um contexto que oportunize uma vida digna, saúde, moradia, renda e educação. Isso deve incluir a aquisição gradual de habilidades práticas (gerir dinheiro, cuidar da casa, fazer comida, trabalhar), acesso a serviços socioassistenciais fundamentais para esse momento da vida (benefícios disponíveis, alternativas de moradia, possibilidades de emprego) e vínculos afetivos duradouros com adultos que os ajudem a perceber e reconhecer suas habilidades, qualidades e potências e a tomar decisões.

Entrar em contato com essa realidade, colocando-se genuinamente no lugar desses adolescentes não é fácil e a princípio você pode se sentir impotente, ficar com a impressão que não tem nada ver com isso ou que nada pode fazer a respeito. Mas a sociedade civil tem muito a contribuir com esses meninos e meninas, seja se vinculando de forma duradoura a eles como madrinha ou padrinho, seja abrindo as portas de sua empresa para oferta de bons empregos, seja ensinando um ofício, seja dando mais visibilidade à realidade deles ou reivindicando políticas públicas mais amplas, diversificadas e eficientes junto ao poder público. Contamos com sua ajuda na divulgação e sensibilização daqueles com quem você convive para tornarmos mais visível essa situação e para somarmos esforços no processo de qualificação das estratégias de apoio a esses meninos e meninas que de fato precisam ser prioridade no nosso país.

 


[1] O nome é fictício para preservar a identidade da adolescente.

[2] O nome é fictício para preservar a identidade do adolescente.

Autora: Debora Vigevani - Coordenadora de Advocacy do Instituto Fazendo História